A cantora Marisa Monte -  (crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press)

A cantora Marisa Monte

crédito: Tulio Santos/EM/D.A.Press

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem realizando audiências públicas para o recebimento de propostas para a edição de regras a serem aplicadas nas eleições deste ano.

 

Em uma destas audiências, realizada no dia 25/01, a cantora Marisa Monte demonstrou sua preocupação com a possível utilização de paródias de suas músicas por candidatos.

 

 

Ela afirmou que a lei que regula os direitos autorais permite a paródia, mas que seu uso em prol da candidatura e ideologia de determinado político é um desvirtuamento dessa exceção legal. Apontou ainda os riscos que a inteligência artificial traz para a adulteração das obras.

 

Solicitou, então, ao tribunal a edição de uma resolução que permita que artistas proíbam essa utilização.

 

A discussão não é nova e sua solução não é simples. Para regular o tema o TSE precisará fazer uma ponderação entre regras do processo eleitoral e do direito autoral e valores como o direito à liberdade de expressão. Poderá também recorrer a algumas decisões judiciais sobre a questão, principalmente, julgados recentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

 

Comecemos pela regra prevista na Lei de Direitos Autorais (9610/98) que permite a utilização de paródias. Segundo seu artigo 47, “são livres as paráfrases e paródias que não forem reproduções da obra originária nem lhe impliquem descrédito.”

 

Como se vê, há alguns requisitos para que uma criação seja considerada uma paródia. Ela não pode simplesmente aproveitar a obra original e precisa conter um grau próprio de criatividade que, normalmente, é dotado de comicidade. Além disso, essa nova criação não pode implicar descrédito à obra original. Nem sempre será tarefa fácil analisar esses elementos no caso concreto.

 

Eis a questão: será que o simples fato de uma música ou outra obra ser utilizada em uma campanha eleitoral geraria esse descrédito, ou importaria no desvirtuamento da criação de um artista?

 

Em 2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou o recurso de um caso envolvendo a EMI e o humorista Tiririca.

 

O litígio começou em 2014 quando ele tentava a reeleição para Deputado Federal e fez uma paródia para a música “O Portão” composta Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

 

Tiririca substituiu as estrofes “eu voltei, agora pra ficar” e “porque aqui, aqui é meu lugar” por “eu votei, de novo eu vou voltar, de novo eu vou votar...Tiririca, Brasília é o seu lugar.

 

O vídeo pode ser visto no Youtube:

 


A EMI ajuizou uma ação de indenização por danos materiais e morais, alegando que tanto a alteração da letra quanto o uso sem autorização da canção eram indevidos.

 

O juiz de 01º grau deu razão à empresa com um interessante fundamento: “programa eleitoral, gratuito e obrigatório, não é - ou ao menos não deveria ser - programa humorístico”. Ou seja, destacou a necessidade do caráter cômico de uma paródia.

 

Os advogados de Tiririca recorreram e o processo chegou ao STJ que teve um entendimento diferente. Para a corte, a finalidade da paródia, se comercial, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra, é indiferente para a caracterização de sua licitude e liberdade assegurada pela Lei n. 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais).

 

No julgamento de um segundo recurso para o próprio STJ, os ministros destacaram que a paródia foi feita de acordo com os requisitos exigidos pela lei e que não houve nenhum constrangimento de índole moral, psicológica, política, cultural ou social que atentasse contra a dignidade dos autores da canção original.

 

Por fim, o ministro relator destacou que a proteção legal desse tipo de criação intelectual visa resguardar a liberdade de expressão, condição essencial ao pluralismo de ideias, que, por sua vez, constitui um valor estruturante do regime democrático.

 

Diferente, porém, foi o posicionamento do mesmo tribunal ao se manifestar sobre um jingle utilizado na campanha do ex-senador Osmar Dias para o governo do Paraná em 2010. O jingle foi criado em cima da música “Pó Pega” interpretada pela dupla sertaneja Erick & Mateus.

 

O autor da canção, Jair Antônio Delgado, ajuizou uma ação sustentando que o uso da música ocorreu sem sua autorização. Em sua defesa, o político alegou que o jingle era uma paródia e, que, por isso, a autorização era dispensável.

 

As instâncias inferiores e o STJ não concordaram com essa tese. De acordo com o STJ, a utilização da música não teve finalidade humorística, mas sim fins publicitários com o claro objetivo de promover e enaltecer as qualidades do político e divulgar suacampanha eleitoral. E que, por possuir origem publicitária, tinha, por consequência, caráter patrimonial, razão pela qual era indispensável a prévia e expressa autorização de direitos autorais de seu compositor.

 

Vejamos a música original e o jingle

 

 

 

 

Como definir, então, se em um jingle há um elemento de comicidade? No caso do Tiririca ele estava óbvio por se tratar de um humorista. No segundo caso, o jingle pode soar cômico para alguns. Vale dizer, também, que em ambos os casos, mudou-se apenas as letras das músicas, o que, na análise de um músico não é nada criativo. E nos parece que nas duas situações houve um fim publicitário.

 

Nesse contexto, não é de se esperar que o TSE edite uma resolução que proíba previamente a utilização das obras de Marisa Monte e outros artistas em jingles, sejam eles paródias ou não.

 

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da


Empresa Tríplice Marcas e Patentes e do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com