Até essa sexta-feira (5/4), a comissão de juristas responsável pela revisão e reforma do nosso Código Civil (Lei 10.406 de 2002) deverá concluir um relatório prévio sobre a conclusão dos trabalhos.

 

O documento reunirá as propostas feitas por subcomissões responsáveis por atualizar o código em áreas como a parte geral, direito de família e sucessões, direito empresarial e direito dos contratos. No início desta semana, alguns pontos já foram aprovados pela comissão sem destaques e emendas. Houve consenso do colegiado sobre temas como responsabilidade civil, direito digital e direito societário.

 

O relatório da sexta-feira servirá então de base para o anteprojeto que deve ser entregue à presidência do Senado até o dia 12 de abril.

 

Vale dizer que muitas propostas seguem o Direito Civil já aplicado no país, baseado nas decisões dos nossos tribunais, em leis especiais e na Constituição Federal.

 

Um exemplo que deixa isso claro é a alteração dos artigos que tratam do casamento. A redação atual do código diz que “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam sua vontade de estabelecer vínculo conjugal”. A proposta da comissão prevê a substituição dos termos “homem e mulher” por “duas pessoas”. Visa, com isso, adaptar o código ao Direito atual que, com base na jurisprudência do STF, reconhece a união entre pessoas, independentemente da orientação sexual.

 



 

Outras sugestões visam atualizar o código em face de uma sociedade tecnológica. Para isso estão sendo criadas várias normas sobre direito digital.

 

O certo é que a tarefa de criar uma lei que regule de forma geral todos os aspectos de uma sociedade nunca foi e nunca será fácil.

 

E o resultado será naturalmente objeto de críticas. Algumas bem fundamentadas e outras nem tanto.

 

E elas vêm ocorrendo desde que as propostas foram divulgadas há alguns meses. O problema é que muitas delas são baseadas em uma compreensão totalmente equivocada do que está sendo discutido. E não são só críticas. Há, também, fake news e ataques a alguns integrantes da comissão.

 

Por mais de uma vez o professor Flávio Tartuce, seu relator geral, usou as redes sociais para desmentir boatos e interpretações equivocadas das propostas.

 

Como é de se imaginar, o alvo mais frequente do descontentamento de alguns setores da sociedade mais conservadores está em normas ligadas à pauta de costumes. Vejamos algumas críticas.

 

De acordo com as regras processuais atuais, o divórcio já pode ser decretado judicialmente apenas com a manifestação de vontade de um dos cônjuges.

 

A comissão está propondo a inclusão de um artigo no código permitindo que cônjuges requeiram unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil. Após uma notificação enviada para o outro cônjuge o divórcio será averbado.

 

A alteração sugerida visa apenas que o procedimento já realizado na justiça seja estendido para os cartórios.

 

Ela, contudo, recebeu críticas em um texto divulgado no site da Igreja Universal. Segundo a publicação, "o pedido de divórcio não precisará da concordância do cônjuge e nem de sua presença, podendo fazer com que a pessoa seja pega desprevenida com a notícia".

 

Na mesma publicação, há menção à proposta de inclusão do artigo 4º-A no código que trata do reconhecimento da autonomia progressiva de crianças e adolescentes. Eis a redação da proposta: “Art. 4- É reconhecida a autonomia progressiva da criança e do adolescente, devendo ser considerada a sua vontade em todos os assuntos a eles relacionados, de acordo com sua idade e maturidade”. Esta proposição busca flexibilizar a incapacidade de crianças e adolescentes para algumas situações específicas. Hoje já ocorre, por exemplo, em processos de adoção, quando elas são ouvidas.

 

Mas para a Universal com essa a autonomia progressiva os menores poderão fazer opções de gênero e outras relacionadas ao tema.

 

No capítulo que trata da união estável está sendo proposta a criação de um artigo (1564-D) que prevê a impossibilidade de uniões estáveis paralelas.

 

Segundo sua redação, “a relação não eventual entre pessoas impedidas de se casarem não constitui união estável”. Assim, uma relação paralela mantida por uma pessoa casada não será considerada união estável.

 

Mas aquele convivente poderá ter direitos patrimoniais se comprovar o esforço comum na constituição deste patrimônio. Na compra de um imóvel por exemplo. A proposta tem por base as decisões de nossos tribunais superiores e busca retirar do código o termo concubina.

 

De acordo com uma matéria veiculada no site Gazeta do Povo, a expressão “relações entre pessoas impedidas de casar” contida no artigo 1564-D pode trazer uma interpretação de que relações incestuosas serão permitidas. Difícil entender como se chegar a tal conclusão.

 

Há, em resumo, afirmações por parte do campo mais conservador de nossa sociedade de que as proposições têm um caráter ideológico, no caso progressista.

 


Mas vale destacar que, para elaborar seu relatório, a comissão de juristas recebeu sugestões de faculdades de Direito, órgãos públicos e associações diversas. Foram realizadas também audiências públicas para discutir os temas.

 

Como se vê, será essencial que essa interação se repita no congresso, onde, por certo, os debates e questionamentos serão ainda maiores.

 

Enfim, como bem destacou o ministro Edson Fachin em um artigo recente, “é na elaboração de um Código Civil que fica mais nítido o desafio de construção de uma codificação que esteja, sempre, em sintonia com as demandas de seu tempo”.

 

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com

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