Pedro Lourenço e Ronaldo seguram a taça de campeão da Série B -  (crédito:  CRIS MATTOS/Staff Images/Cruzeiro)

Pedro Lourenço e Ronaldo seguram a taça de campeão da Série B

crédito: CRIS MATTOS/Staff Images/Cruzeiro

Desde que foi anunciada a venda da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Cruzeiro para o empresário Pedro Lourenço, os torcedores celestes têm mostrado um maior otimismo em relação ao desempenho do time. A maior parte da torcida reconhece o trabalho feito por Ronaldo Fenômeno à frente do clube, mas também cobrava dele mais investimento na formação da equipe. Pedrinho, como é conhecido o novo controlador da SAF, chegou prometendo atender aos anseios da China Azul e qualificar o elenco que vem disputando o Campeonato Brasileiro.


Além desta provável mudança de perfil da gestão, a negociação envolvendo o Cruzeiro chama a atenção por ser o primeiro caso de alteração do controle de uma SAF no país. Sem a divulgação oficial dos valores da transação, muitas especulações surgiram. A principal delas é sobre o lucro obtido por Ronaldo no negócio.


Fora isso, a venda foi encarada com naturalidade. A reconhecida capacidade financeira de Pedrinho, somada ao vínculo antigo que ele tem com o clube e a boa relação com a gestão da associação, o legitimam como novo dono da Raposa.

 


Esse poder falta a outro Pedrinho que também está à frente da gestão de outro grande clube brasileiro, o Vasco da Gama. No início do ano, o ex-atleta e comentarista esportivo tomou posse como presidente da associação carioca que, assim como o Cruzeiro, foi transformada em SAF. O controle da SAF cruzmaltina foi concedido à 777 Partners, empresa americana que detém ações em diversos clubes estrangeiros.

Pouco tempo depois de se tornar presidente, Pedrinho demonstrou sua insatisfação com o tratamento dado a ele pela controladora, pois percebeu que não era visto como um aliado na gestão da SAF.


Há algumas semanas, surgiu a notícia de que a empresa está sendo processada nos Estados Unidos por fraude. A Leadenhall, empresa inglesa, acusa a 777 de obter um empréstimo de 350 milhões de dólares e dar como garantia bens que não lhe pertencem ou que nem mesmo existem.

 


A empresa declarou, ainda, que descobriu que todos os ativos da 777 estão sendo cedidos à A-CAP, uma holding de seguros com sede em Nova York.

Nesta quarta-feira (15/05), a associação dirigida por Pedrinho obteve uma liminar na Justiça do Rio de Janeiro que determina que os efeitos do contrato feito com a 777 para dirigir a SAF fiquem suspensos. Segundo comunicado divulgado no perfil do Instagram do clube, a medida visou impedir uma “mudança indesejada no controle acionário da Vasco SAF”.


Para o departamento jurídico do Vasco, essa cessão de ativos pode estar encobrindo uma transferência do controle da SAF vascaína, contrária à lei e a um acordo de acionistas vigente. Na semana passada, foi enviada uma notificação à 777 para esclarecer a situação.

 


Outro time que passa por questionamentos sobre o controle da SAF é o Botafogo de Ribeirão Preto. A associação do clube (Botafogo Futebol Clube) já propôs mais de uma ação na justiça contra a empresa criada, o BFSA (Botafogo Futebol S/A), questionando a gestão de seus administradores. Dentre as alegações estão a informação de que a SAF não estaria repassando as receitas obrigatórias previstas em lei e a de que houve um aumento da dívida do clube desde a criação da empresa.


Para alguns, as situações vividas por Vasco e Botafogo de Ribeirão Preto não causam surpresa. São resultado da configuração da maioria das SAFs que têm o clube social como acionista minoritário, sem poderes de gestão do futebol e das receitas.


Deste contexto, surgem duas reflexões. A primeira delas é se as associações podem se valer de algum mecanismo legal para questionar a gestão dos controladores da empresa criada.


A lei da SAF não trata especificamente do tema. Limita-se a exigir a autorização das associações para algumas operações, como alienação de bens, reorganização societária e liquidação e extinção da empresa. Veda também que a SAF altere o nome, os símbolos e a sede sem a anuência do clube originário.


O caminho para se contestar a atuação do controlador da nova empresa está na aplicação das regras das Sociedades Anônimas em geral. De acordo com o Art. 117 da Lei 6404/76, o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. A lei enumera alguns destes atos, como orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou realizar operações prejudiciais aos acionistas minoritários,  como fusões ou incorporações.


A segunda reflexão tem a ver com a revisão da forma de constituição destas empresas.


É possível perceber que alguns clubes que ainda não aderiram ao modelo SAF veem com ressalvas a venda do controle do futebol. Recentemente, Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, declarou que, se for criada uma SAF do clube carioca, a associação permanecerá com 100% de suas ações e esse controle será  mantido mesmo em uma eventual venda posterior de ações para a obtenção de investimentos.


Já o presidente do São Paulo, Julio Casares, descartou a possibilidade de o clube aderir ao modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) da forma que ela é praticada no Brasil hoje. Informou que a intenção é pensar num outro sistema de capitalização de futebol.


Como se vê, leva tempo para que um novo sistema de regras e soluções jurídicas seja implementado. Ao criar a SAF em 2021, o legislador almejava uma nova política para o futebol brasileiro, com o estabelecimento de normas de governança, controle e transparência.


Caberá ao próprio mercado do futebol fazer os ajustes necessários para que, com base na lei e em bons contratos, esses objetivos sejam alcançados.


O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes


Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfeliperradv@gmail.com