Dois mil e vinte e três foi marcado como ano das recuperações judiciais no Brasil. Segundo dados divulgados pela Serasa, houve um aumento recorde nos processos, em comparação aos anos anteriores.
De fato, quem acompanha o noticiário econômico pôde perceber esse cenário, principalmente em razão de pedidos realizados por grandes empresas do varejo.
Mas o levantamento da Serasa também revelou um aumento nos pedidos de falências em 2023.
A recuperação judicial e a falência são reguladas pela Lei 11.101/05, que foi objeto de uma considerável reforma em 2020.
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Cabe esclarecer que o termo falência é entendido tanto como uma situação de crise financeira de uma empresa quanto como um processo judicial coletivo. Apesar dessa última atualização da lei, esse processo ainda é complexo e moroso. Não é raro vermos falências que duram mais de uma década.
Diante desse contexto, o Executivo, por meio de seu Ministro da Fazenda, enviou para o Congresso uma proposta legislativa prevendo novas alterações da Lei 11.101/05. O foco dela é o processo de falência. Segundo o ministro, os aperfeiçoamentos sugeridos visam torná-lo mais célere e efetivo com um aumento da taxa de recuperação de créditos e realocação dos ativos da empresa falida.
A proposta transformou-se no Projeto de Lei 03/24, aprovado na Câmara em regime de urgência e já foi enviado para o Senado.
Há diversos pontos interessantes na proposta, mas dois deles têm chamado mais atenção dos especialistas em processos de insolvência empresarial.
O primeiro é a criação de um plano de falência que conterá, entre outras medidas, propostas para a gestão dos recursos da massa falida, formas de pagamento do passivo, a transferência de bens da falida para outra empresa e a obtenção de descontos junto aos credores.
Diferentemente do que ocorre na recuperação judicial, em que o plano de recuperação é elaborado pelo devedor ou pelos credores, o plano de falência deverá ser apresentado pelo administrador judicial ou pelo gestor fiduciário.
O segundo ponto que chama a atenção no PL é a criação desta nova figura, o gestor fiduciário que substituirá o administrador judicial em diversas atribuições. Enquanto o administrador judicial é nomeado pelo Juiz da recuperação ou da falência, o gestor será escolhido pelos credores. Ele teria, então, melhores condições para representar os interesses deles.
Como visto, o PL ainda será analisado pelos senadores, mas as propostas já merecem as devidas críticas, principalmente vindas de advogados comercialistas.
É sempre bom lembrar que credores, ao participarem de um processo de recuperação ou falência, buscam garantir o recebimento de seu crédito. Dificilmente, exercem seu direito de voto, almejando um interesse coletivo.
E a regra geral é que nas votações prevaleça a vontade daqueles credores que detém os maiores créditos. Com isso, a escolha do gestor fiduciário poderá refletir esse viés e sua atuação favorecer grandes credores como bancos, fundos de investimentos e outras grandes empresas.
Pela proposta, os administradores, além de ver sua função sendo em parte desempenhada pelo gestor, terão uma série de restrições temporais e de quantidade de processos em que poderão atuar.
Esse esvaziamento da função do administrador judicial parece mais uma reação à forma de atuação destes agentes, principalmente no que se refere às altas remunerações recebidas em alguns processos durante anos.
Acontece que a atuação de mais um profissional no processo pode ter o efeito contrário do que foi imaginado na proposta. Poderá gerar mais custos para a empresa falida e mais trabalho para as secretarias das varas empresariais.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com