No início deste ano um advogado brasileiro foi condenado a dois meses de prisão nos Estados Unidos porque teria usado informações privilegiadas para obter ganhos financeiros na bolsa de valores daquele país. Ele trabalhava em um escritório de advocacia que assessorou a fusão de duas grandes empresas. Sabendo antecipadamente que a operação ocorreria, ele comprou ações de uma delas e obteve ganhos acima de US$ 42 mil. Os promotores responsáveis pela acusação enquadraram a conduta dele no crime de insider trading.



A defesa dele apresentou, entre outros argumentos, o fato de que o insider trading no Brasil raramente leva alguém para a cadeia e que, por isso, ele teria agido daquela forma. Naturalmente, sua alegação não foi aceita.



Nos Estados Unidos a pena para esse crime pode chegar a 20 anos e a punição realmente é aplicada. Ao longo dos anos, muitos casos ganharam destaque na mídia. Alguns até serviram de inspiração para filmes.  Wall Street - Poder e Cobiça, protagonizado por Michael Douglas, é um clássico sobre o tema.

 

 

 





Já a maior punição ocorreu durante a crise financeira de 2008. O caso envolveu o megainvestidor Warren Buffet e o banco de investimentos Goldman Sachs. Quando Buffet resolveu comprar ações do banco, muitos investidores fizeram o mesmo e, com isso, o valor delas subiu. A SEC (Securities and Exchange Commission), agência reguladora americana, apurou que um funcionário do banco ficou sabendo antecipadamente da operação e passou a informação para o dono de um fundo de investimento. Este, então, comprou as ações antes da valorização para depois revendê-las. Os dois acabaram sendo condenados com penas de prisão de 02 anos e 11 anos, respectivamente.



Atualmente, quem vem sofrendo acusações de praticar insider trading é o bilionário Elon Musk. Em junho de 2023 um grupo de investidores alegou que ele estaria usando publicações no X (antigo twitter) para manipular o preço da criptomoeda Dogecoin. Uma outra acusação envolve a montadora Tesla da qual Musk é dono. Um investidor o acusa de vender ações da empresa em 2022 antes que ela divulgasse uma redução do número de entregas de seus veículos. Após o anúncio, o valor das ações da Tesla caiu e, com isso, Musk teria tirado vantagem da operação. Ainda não houve conclusão sobre os dois casos.



Como se vê, o insider trading pode ser praticada por qualquer pessoa. Basta ela tentar obter vantagem econômica com o uso de informações relativas aos negócios ou à situação de uma empresa que ainda não estão disponíveis para os demais investidores. As informações devem ser relevantes, ou seja, terem o potencial de influir na cotação de ações e de outros valores mobiliários da empresa.



No Brasil a prática é vedada pela Lei das Sociedades Anônimas (6.404/76), pela Lei do Mercado de Capitais (6385/76) e por resoluções da Comissão de Valores Imobiliários (CVM).  Enquanto as normas da CVM preveem sanções administrativas a lei do Mercado de Capitais a tipifica como crime prevendo uma pena de reclusão de 01 a 05 anos.



Mas, de fato, até hoje, a maioria das punições refere-se a multas aplicadas pela CVM. Poucos são os casos levados ao judiciário e, quando isso acontece, é difícil provar a presença de todos os elementos necessários para uma punição.  



Devemos considerar também que a inclusão da prática como crime na nossa lei de mercado de capitais ocorreu somente em 2017. Antes, para ser punida, ela era enquadrada no crime de estelionato.



O primeiro caso analisado pela Justiça brasileira ocorreu em 2009 e teve como réus dois ex- executivos da Sadia. Em 2006, a empresa fez uma oferta pública (OPA) para adquirir o controle acionário da concorrente Perdigão. A união entre as duas empresas acabou ocorrendo só em 2009, quando a Perdigão incorporou a Sadia, surgindo então a Brasil Foods (BRF). Os ex-executivos foram acusados de obter ganhos com a negociação de ações da Perdigão na Bolsa de Nova York usando informações sobre a oferta da Sadia. Eles foram condenados à prisão. Além disso pagaram multa e ficaram impedidos de atuar no mercado de capitais. As penas de prisão acabaram sendo convertidas em prestação de serviços comunitários.



Em 2021 foi a vez de Eike Batista entrar na mira da justiça. Segunda a denúncia, ele teria divulgado informações imprecisas e inverídicas para estimular a compra de ações da petroleira OGX, ganhando milhões com as operações. Foi condenado a 6 anos e 8 meses de cadeia, pelo uso de informação privilegiada e manipulação do mercado. Também não chegou a ser preso (pelo menos por essa condenação).



Outro caso que ganhou repercussão envolveu os irmãos Joesley e Wesley Batista. Eles responderam a um processo na CVM, porque teriam se beneficiado com a negociação de dólares e ações da J&F, em 2017. A acusação era que teriam usado o impacto do vazamento da delação de Joesley Batista na operação Lava Jato. Acabaram sendo absolvidos porque a CVM entendeu que não era possível saber se o acordo de colaboração premiada seria homologado e porque não foi possível comprovar que as operações foram motivadas pelo uso de informação sigilosa.



No início deste ano, a CVM também absolveu o empresário Luiz Barsi Filho da acusação de insider trading. Barsi foi investigado por suposto uso de informação privilegiada para realizar operações com as ações da Unipar, empresa da indústria química. Em junho de 2021, a empresa divulgou informações sobre o interesse na aquisição de outra empresa, a Compass Minerals, o que acabou não ocorrendo. Em maio daquele ano foram detectadas oscilações atípicas no valor das ações da Unipar e na mesma época Barsi teria adquirido 13,9 mil ações. Para sua absolvição prevaleceu o entendimento que não houve informação relevante que não tenha sido divulgada ao público.



Como se vê, não é simples identificar um caso de insider trading e, consequentemente, punir quem incorre nesta prática. Vale dizer também que a regulação do mercado de capitais americano é bem mais consolidada que a nossa, razão pela qual lá as punições são mais rígidas.



Talvez ainda possamos atingir um nível melhor de maturidade nesse ambiente. Um caso para ficarmos de olho é o da Americanas. Dados da B3 (Bolsa de Valores) mostraram que houve movimentações atípicas das ações da companhia no final do pregão de 11 de janeiro de 2023, horas antes da notícia sobre a fraude na empresa. A CVM ainda está investigando.



O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da
Empresa Tríplice Marcas e Patentes e do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com

compartilhe