Segundo a mitologia grega, Gaia foi a “Deusa Terra”, mãe geradora de todos os deuses e criadora do planeta. Em razão de seu significado ou talvez por sua grafia, o termo é utilizado para identificar inúmeros produtos e serviços mundo afora. É o que podemos constatar em uma rápida pesquisa no Google. Ao que parece, portanto, é um termo genérico e comum.
É possível, então, que uma empresa se aproprie desse termo como uma marca e impeça que concorrentes a utilizem? Essa discussão chegou à justiça de São Paulo em uma ação que envolve a Osklen e uma empresa catarinense de roupas femininas, que registrou a marca no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).
Segundo a empresa, o uso do termo pela Osklen em uma de suas coleções configura concorrência desleal e aproveitamento parasitário, que ocorre quando alguém se beneficia do prestígio da marca de terceiro. Ela pediu uma medida liminar para impedir o uso da marca e indenizações por danos materiais e morais.
Na defesa, a Osklen afirmou que o termo Gaia tem origem na mitologia grega e que é de uso comum, sendo encontrado na literatura, em teorias científicas e até em nomes de cidades. Citou, como exemplo, a Vila Nova de Gaia, município localizado na Área Metropolitana do Porto, em Portugal.
De acordo com a Lei de Propriedade Industrial (9279/96), sinais de caráter genérico não são registráveis como marca. Por isso, geralmente, quando o INPI defere o registro de marcas que contenham expressões comum, faz uma ressalva que o titular da marca não terá o direito de usar aquele termo, isoladamente, de forma exclusiva, mas apenas de explorá-lo de forma associada a outros elementos da marca como cores, símbolos e outros sinais que a diferenciam dos concorrentes.
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Esse foi, portanto, o principal argumento dos advogados da Osklen. Por Gaia ser uma expressão comum, a titular da marca tinha que conviver com outros registros semelhantes.
O juiz de 1ª instância deu-lhe razão e julgou improcedentes os pedidos formulados na ação. Destacou que o termo “Gaia” é um elemento nominativo comum, desprovido de distintividade suficiente para respaldar a exclusividade buscada pela empresa catarinense. Entendeu, ainda, que a Osklen o utiliza de forma estilizada com cores e fonte bem diferentes da marca que está registrada. Por fim, ressaltou que “em pesquisa no site de busca Google, pode-se constatar que o termo Gaia é comumente utilizado por uma gama enorme de sociedades empresárias, nas mais variadas atividades negociais”.
A titular da marca não se deu por vencida e apresentou recurso para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Deu certo. Os desembargadores da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial foram favoráveis à sua tese. Segundo o relator, a expressão “Gaia”, a despeito de significar “terra” na língua grega e na mitologia antiga, é pouco conhecida pela população brasileira e não tem semelhança com nenhuma palavra do nosso vernáculo.
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Entendeu ainda que o fato de as duas empresas atuarem em segmento idêntico do mercado gera um risco de confusão e associação indevida pelos consumidores, capaz de acarretar abusivo desvio de clientela. E que o uso da marca sem autorização configura aproveitamento parasitário por parte da Osklen.
A Osklen foi, então, condenada a pagar uma indenização por perdas e danos que ainda será calculada e indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil.
É de se supor que a empresa vá recorrer da decisão para que o Superior Tribunal de Justiça dê a palavra final sobre o caso. Mas fato é que a marca tem tido trabalho com a escolha de suas coleções. Vide o litígio recente com Caetano Veloso. Mas nele, ela teve melhor sorte.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da
Empresa Tríplice Marcas e Patentes e do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com