O que é mais importante? Um legado artístico ou o direito de se explorar de forma exclusiva uma marca registrada? Como proteger um nome artístico coletivo utilizado, conjuntamente, por cinco pessoas?

 

Estas questões foram novamente levadas ao judiciário, que se pronunciou na semana passada sobre o direito de explorar o nome da banda Charlie Brown Jr.

 

 

A disputa judicial envolve Alexandre Ferreira, filho e herdeiro do vocalista, Chorão, morto em 2013, e dois outros integrantes do grupo. O filho de Chorão é detentor do registro da marca Charlie Brown Jr. no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e ajuizou uma ação cautelar para impedir que os fundadores da banda, Marco Brito e Thiago Castanho, a utilizem em shows e apresentações.

 

A defesa apresentada pelos músicos conteve dois argumentos para contestar esse pedido. O primeiro é que a utilização do nome era parte dos direitos profissionais deles, já que ambos participaram da criação e consolidação da banda ao longo dos anos. Em segundo lugar, afirmaram que há um contrato com o herdeiro de Chorão permitindo que os músicos utilizem o nome Charlie Brown Jr. desde que sempre associado aos nomes deles, ou seja, nunca de forma isolada.

 



 

O Juiz da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo lhes deu razão. Para o magistrado, ficou comprovado que Thiago e Marco não utilizam a marca “Charlie Brown Jr.” de forma isolada, tal como haviam ajustado em contrato com Alexandre. Ele destacou, também, que é preciso diferenciar a propriedade da marca (que faz parte do que é considerado propriedade industrial pela lei) dos direitos da personalidade dos músicos fundadores. Estão neste rol o direito à vida, à dignidade, ao nome, bem como a proteção à imagem e à honra.

 

O juiz concluiu, portanto, que a proteção à marca registrada em nome de Alexandre não é suficiente para impedir referência ao nome “Charlie Brown Jr.” por ex-integrantes da banda que foram responsáveis por sua consolidação.

 

Para fundamentar tal decisão, ele citou outro caso semelhante e que teve desfecho parecido. O litígio entre os fundadores da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, e a empresa detentora da marca que tem como sócio o filho de Renato Russo. A empresa tentava impedir que os músicos usassem o nome da banda em seus shows. A ação chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que garantiu à Villa-Lobos e Bonfá o direito de usarem o nome do grupo que ajudaram a criar. Para o Tribunal, a expressão Legião Urbana remete à própria identidade dos músicos como um reflexo de suas personalidades e a restrição de seu uso, mesmo por aquele que detém o registro da marca, pode representar verdadeiro abuso de direito.

 

Um outro caso que já mencionamos nesta coluna e ainda não foi julgado envolve o uso do nome Novos Baianos. Os herdeiros de Paulo Galvão cobram da empresa de Baby do Brasil o pagamento de royalties pelo uso da marca, que está registrada em nome da cantora.

 

 

Vale mencionar que, no meio da discussão sobre o uso do nome do Charlie Brown Jr., há ainda outro agente. A Peanuts Worldwide LLC, titular dos direitos autorais do desenho “A Turma do Charlie Brown”, requereu a nulidade do registro da marca CHARLIE BROWN JR sob a alegação de que nunca autorizou o uso do nome do personagem, que é protegido pelos direitos autorais nos EUA.

 

Nossa Constituição prevê de forma expressa que a propriedade industrial (marcas, patentes, etc.) deve ser concedida considerando seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Porém, deixa claro que, assim como qualquer tipo de propriedade, seu exercício deve atender a uma função social.

 

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Assim, mesmo sendo fundamental, tal como previsto em lei, o direito à propriedade industrial não é absoluto. É possível que seu exercício entre em conflito com direitos individuais de terceiros ou com o interesse público. Nestas situações é preciso fazer uma ponderação dos direitos em conflito.

 

É o que vem ocorrendo nestes casos relacionados ao uso de nomes de bandas. Afinal, deve-se privilegiar um registro de uma marca ou o contexto coletivo, cultural e artístico em que o nome foi criado?

 

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com

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