Rayssa Leal, a Fadinha do Skate, conquistou no mês passado, pela segunda vez, o título de campeã mundial de skate. Com a medalha de prata conquistada nas Olímpiadas de Toquio em 2021 e a de bronze em Paris, no ano passado, a atleta de 16 anos se consolidou com uma das melhores deste esporte.
Mas, recentemente, ela precisou entrar em uma disputa fora das pistas de skate. Em 2020, uma clínica de odontologia com sede em Imperatriz no Maranhão, cidade natal de Rayssa, obteve no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) três registros da marca Fadinha do Skate. Eles foram realizados em três classes diferentes. A primeira, para identificar calçados e vestuário, e as outras duas, relativas a serviços de educação e de clínica médica e odontológica.
Em setembro de 2023, o INPI acolheu um pedido de Rayssa e anulou os registros das três marcas. O representante da skatista argumentou em sua manifestação no processo que a expressão “Fadinha do Skate” é o apelido notoriamente conhecida da atleta e que a clínica de odontologia não tinha o consentimento dela para registrá-lo como marca.
A decisão de nulidade teve como fundamento, portanto, a norma prevista no artigo 124, XVI, da Lei 9279/96, a nossa Lei de Propriedade Industrial (LPI). Ela prevê que pseudônimos ou apelidos notoriamente conhecidos não são registráveis como marca, salvo se houver consentimento do titular.
O desfecho do processo de nulidade foi favorável à Fadinha, mas o episódio traz à tona uma discussão relevante sobre o registro de marcas. Embora não tenha sido esse o argumento para a anulação do registro da marca, há indícios de que foi feito com a finalidade de um proveito econômico decorrente da fama da atleta e da notoriedade de seu apelido. Com a propriedade da marca, a clínica poderia impedir que a própria Rayssa a utilizasse comercialmente. Para estampá-la em um produto, por exemplo, a skatista precisaria da autorização da clínica.
Casos como o da Fadinha são relativamente comuns. Esse tipo de pedido pode ser enquadrado como concorrência desleal ou exercício abusivo de um direito?
Para o deputado Helder Salomão, do PT/ES, eles devem ser coibidos. E, para isso, o parlamentar apresentou o Projeto de Lei 2496/24, que tipifica a prática como crime, com penas de detenção, de uma a três meses, ou multa.
Segundo consta na justificativa da proposta, “têm multiplicado os casos de indivíduos e empresas que submetem pedido de registro de marca ao INPI com o objetivo exclusivo de, em momento posterior, vender o direito de uso a empresas que já utilizem a marca para prestação de serviço ou comercialização de bem. Tal fraude gera diversos contratempos àqueles que já exercem, de boa-fé, mas sem registro, atividade econômica com o uso da marca.”
A proposta visa uma alteração da LPI que já tipifica várias condutas como crimes contra a propriedade industrial. Comercialização, importação e exportação de produtos patenteados, sem autorização do titular; reprodução ou alteração de marca sem autorização e desvio fraudulento de clientela são algumas delas.
No entanto, condenações pelas práticas desses crimes são muito raras. Medidas contra os infratores são mais eficazes na esfera cível.
Conforme destaca Caroline Somesom Tauk, juíza federal e autora de livros sobre o tema, a baixa eficácia das regras penais pode ser explicada pela “inimputabilidade das pessoas jurídica, dificuldade de identificação de autoria dos crimes, previsão de penas muito baixas e processo penal burocrático”.
É de se questionar, portanto, se a previsão de um novo tipo penal, que também, prevê penas brandas, inibiria a prática nele descrita.
Além disso, não é fácil comprovar o intuito fraudulento e o comportamento abusivo em casos como estes.
Vale ressaltar, também, que a LPI prevê outros meios de defesa para aqueles que tiveram seu nome ou símbolo registrado por terceiro em um contexto semelhante ao descrito no projeto de lei.
Um deles é o chamado direito de precedência. De acordo como § 1º do art. 129 da Lei, “toda pessoa que, de boa-fé, na data da prioridade ou depósito, usava no país, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro”.
Ou seja, uma pessoa que já usava determinada marca, mas que não requereu seu registro, pode contestar o pedido de registro de um terceiro se comprovar que já usava aquela marca pelo menos seis meses antes da data em que o terceiro fez seu requerimento junto ao INPI.
Outra forma de se questionar registros de marcas supostamente abusivos é o requerimento de sua caducidade. Segundo a lei, aquele que teve um registro concedido, tem a obrigação de explorar aquela marca. O prazo mínimo para o início deste uso em produtos ou serviços é de cinco anos, sob pena de perder a proteção legal do registro, após um processo instaurado pelo interessado em usar a marca.
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Tudo indica, portanto, que mesmo com a aprovação do PL do deputado petista, as medidas administrativas e cíveis permanecerão mais eficazes para inibir a conduta nele descrita como crime.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com