O que desperta a curiosidade no caso de Eliana é saber por que ela não quis receber a parte que lhe cabia no patrimônio deixado pelo pai -  (crédito: Divulgação)

O que desperta a curiosidade no caso de Eliana é saber por que ela não quis receber a parte que lhe cabia no patrimônio deixado pelo pai

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Há cerca de dois meses, ganhou destaque nos sites de notícias sobre celebridades (e subcelebridades) a renúncia da apresentadora Eliana à herança de seu pai, que morreu no início deste ano.

 

 

É comum que notícias sobre herança, testamento e divórcio envolvendo famosos causem grande repercussão, geralmente, em razão de conflitos entre os envolvidos.

 

O que desperta a curiosidade no caso de Eliana é saber por que ela não quis receber a parte que lhe cabia no patrimônio deixado pelo pai. Dificilmente saberemos, pois a renúncia a uma herança é um ato unilateral que dispensa qualquer justificativa.

 

Ele será válido e gerará efeitos, se os requisitos exigidos na lei forem preenchidos. A renúncia deve ser feita de forma expressa, por escritura pública ou em um termo no processo de inventário e deve ser manifestada antes da aceitação da herança. Não é possível escolher quem ficará com aqueles bens que seriam recebidos (eles serão redistribuídos entre os demais herdeiros, se houver), e não cabe retratação. Vale destacar que credores daquele que está renunciando à herança podem, com autorização judicial, aceitá-la em seu lugar.

 

 

Não é assim um tema que gera muitas controvérsias, com exceção de uma questão que ganhou destaque recentemente, nos sites de notícias jurídicas: a chamada renúncia antecipada à herança. Estamos falando da possibilidade de alguém que é herdeiro de uma pessoa renunciar à herança antes que aquela pessoa morra. Um julgamento recente do Tribunal de Justiça de São Paulo aqueceu os debates sobre a matéria.

 

Eis o caso. Um casal apresentou ao cartório de registro civil um pacto antenupcial indicando a adoção do regime da separação total de bens para o casamento deles. No documento, também havia uma cláusula prevendo que um não herdaria bens do outro, se aquele que falecesse deixasse descendentes (filhos e netos) ou ascendentes (pais e avós) como herdeiros.

 

 

Essa renúncia à herança de outro cônjuge tem sido comum em pactos feitos por casais com filhos de uma união anterior. O regime de separação de bens previsto no nosso Código Civil garante que cada cônjuge terá seu patrimônio particular. Assim, no caso de um divórcio, não haverá partilha de bens. Mas o Código prevê que, se um dos cônjuges falecer durante o casamento, esse patrimônio particular será transferido para o outro como herança, que será recebida integralmente ou dividida com os filhos ou os pais do que morreu.

 

O principal argumento de quem defende a validade da renúncia à herança é o seguinte: se é possível renunciar à meação dos bens, por que não seria lícito renunciar ao recebimento da herança composta por bens particulares do cônjuge?

 

Pois o cartório de São Paulo que recebeu o pacto antenupcial, o considerou inválido. De acordo com o Oficial, o registro do pacto foi negado porque era contrário à norma do art. 426 do Código Civil. Essa norma prevê que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

 

 

Trata-se da clássica proibição ao “pacto corvina”, entendido como um ajuste antecipado sobre o destino dos bens de uma pessoa que ainda não faleceu. A expressão em latim remete ao comportamento dos corvos que aguardam a morte de suas vítimas para se alimentarem.

 

O caso foi levado à Justiça, e o entendimento da Juíza de 01º grau foi o mesmo do oficial do cartório. No Tribunal, porém, o casal teve mais sorte. Seu recurso foi acolhido pelo Conselho Superior da Magistratura. Por maioria, os desembargadores conferiram validade à cláusula.

 

Os principais fundamentos constam no voto do relator. Para ele, “ao contrário do pacto corvina, a renúncia à herança não deve despertar qualquer desejo de morte do autor da herança, pelo contrário, está de acordo com um projeto de vida e de planejamento familiar”.

 

Destacou também que “deve haver uma nova interpretação do alcance do pacto corvina, vedada pela norma do art. 426 do Código Civil”; “a cláusula em análise, de acordo com boa parte da doutrina, é válida no atual ordenamento, e há expectativa razoável de que a futura legislação coloque fim à discussão, admitindo expressamente a possibilidade da renúncia ao direito concorrencial”

 

O projeto de reforma do Código Civil prevê a alteração desse artigo. É a essa futura legislação que o desembargador se refere.

 

Ponderou ainda que, segundo a doutrina, há hoje uma “tendência de se respeitar mais a autonomia da vontade nas relações patrimoniais incluindo-se, a autonomia sucessória. Não pode o Estado, a partir de uma proibição pouco clara como a do artigo 426 do Código Civil, proibir tais pactos”.

 

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É importante ressaltar que, no mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, há diversas decisões com entendimento contrário ao que prevaleceu nesse julgamento. Mas ele aponta para uma possível e provável nova interpretação do tema que poderá ser confirmada pela reforma do Código Civil.

 

Se for confirmada, haverá maior segurança nos planejamentos patrimoniais e sucessórios, evitando-se conflitos e litígios familiares, inclusive de celebridades. Blogueiros e seus leitores talvez não gostem da ideia.

 

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com