

Cruzeiro, Gabigol e a questão do fair play financeiro
Deve haver limites para investimentos externos nas SAFs?
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Na última quarta (15/01), Gabriel Barbosa, ou simplesmente, Gabigol, vestiu pela primeira vez a camisa do Cruzeiro, clube que defenderá nos próximos anos. A primeira partida foi disputada contra o São Paulo na Flórida, EUA, onde os dois clubes realizam sua pré-temporada. O placar final, de 1x1, não teve muita importância por se tratar de um jogo amistoso. Pode se dizer o mesmo sobre a discreta atuação de Gabigol. Mas, quando os campeonatos começarem, as cobranças sobre seu desempenho certamente virão. Tanto pelo que se espera de um jogador talentoso como ele, quanto - e principalmente - pelo valor investido para que ele fosse para a Toca da Raposa. Seu salário, considerando bônus e luvas, chega perto dos R$ 3 milhões mensais, o que faz de Gabigol o jogador mais bem pago do Brasil.
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A princípio, quem deve preocupar-se com isso? O jogador, é claro, os cruzeirenses, que esperam títulos, a SAF (Sociedade Anônima do Futebol), que deverá cumprir o que foi acordado, e Pedro Lourenço, dono (de fato) do clube que, segundo consta, é o responsável pelos aportes feitos para a contratação do atacante e de outros reforços para a equipe.
No entanto, há muito mais gente demonstrando uma certa apreensão com os investimentos feitos no time estrelado, pois a SAF do Cruzeiro não teria receita suficiente para bancá-los. De fato, eles só foram possíveis em razão de aportes externos, situação que seria injusta com aqueles clubes (SAFs ou associações) que atuam dentro de um orçamento pré-definido e proveniente de receitas próprias. Para alguns dirigentes esportivos e jornalistas, a conduta da Raposa seria contrária ao chamado fair play financeiro.
Há quem diga que essas críticas são movidas por uma certa dor de cotovelo ou que há hipocrisia nelas. É o que destacou Gustavo Nolasco em sua coluna da Arquibancada. Será?
Geralmente, o fair play financeiro é definido como um conjunto de regras estabelecidas por federações e ligas para evitar que os clubes de futebol profissional gastem mais do que arrecadam. Ao adotar tais regras, os clubes evitam problemas financeiros que possam ameaçar a sua sobrevivência a longo prazo. Na verdade, o fair play financeiro é um princípio: o do jogo limpo, em analogia ao que deve ocorrer dentro de campo. A disputa também deve ser justa na parte financeira.
Nos países em que ele já é implementado, há regras rígidas para assegurá-lo e sanções para aqueles que não o seguem.
Na Europa podemos ver a aplicação destas regras pela UEFA, Premiere League, La Liga, entre outras federações e ligas. Normalmente, elas preveem punição em casos de atraso no pagamento dos salários dos jogadores, de prejuízos recorrentes (pelas regras da UEFA, por exemplo, um clube só pode ter prejuízos por três temporadas seguidas) e de gastos acima de determinado limite (na Espanha só é permitido gastar 70% das receitas com a folha salarial).
Não é simples, porém, colocar o fair play financeiro em prática. De fato, algumas situações parecem bem injustas e devem ser inibidas. Ao término do último Campeonato Brasileiro, por exemplo, o presidente do Cuiabá afirmou que o Corinthians “fez trapaça” ao contratar jogadores e não pagar. Os clubes negociaram a transferência do volante Raniel, o time paulista não pagou integralmente o valor ajustado e o Cuiabá precisou recorrer à Justiça para tentar recebê-lo. Detalhe: o Cuiabá, que tem uma organização financeira equilibrada, acabou sendo rebaixado. Já o Corinthians, seriamente endividado, realizou uma série de contratações durante o campeonato e se classificou para a Copa Libertadores de 2025. Lembremos que, antes da queda do clube para a segunda divisão, os antigos dirigentes do Cruzeiro formaram elencos campeões utilizando-se desse expediente. Contratavam atletas e não efetuavam o pagamento acordado. O clube acabou sofrendo uma punição da FIFA que lhe rendeu a perda de 06 pontos quando disputava a Série B do Campeonato Brasileiro.
Não há dúvidas que essa punição foi bem eficaz. Já a aplicação de medidas preventivas para se garantir o fair play é uma questão mais complexa. Seria justo coibir aportes externos como os que ocorrem nas SAFs de Cruzeiro, Botafogo, Bahia e de outros clubes? Se elas cumprirem suas obrigações no prazo legal, não parece ser adequada uma espécie de interferência externa em suas finanças.
Como visto no caso da punição do Cruzeiro pela FIFA, já há medidas pontuais que podem ser aplicadas independente da criação de todo um arcabouço de regras para um fair play financeiro. As leis que regulam as SAFs (14.193/21) e as Sociedades Anônimas em geral (6.404/76) também preveem sanções para os administradores que agirem de forma contrária à lei e ao estatuto das empresas. “Basta” aplicá-las.
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Mas, para quem defende a implementação de um novo conjunto de regras para o fair play financeiro, vale lembrar que a Lei Geral do Esporte (14.597/23) em seu artigo 188, já exige que as nossas entidades esportivas criem um regulamento neste sentido. O artigo exige medidas mínimas a serem adotadas como limites financeiros para contratação de atletas por temporada e limites para aportes financeiros de acionistas. Sinceramente, é difícil imaginar a CBF ou futuras ligas criarem um regulamento geral deste tipo.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com