Ontem uma jovem advogada do Rio Grande do Norte foi vítima de uma ação brutal que culminou com a sua morte. Na saída de uma delegacia, ao lado do seu cliente, suspeito de um homicídio, ambos foram alvejados e acabaram morrendo no local.
Com o fato, junto das condolências, vieram os inúmeros debates e discursos sobre o risco da advocacia. Algumas pessoas demonstrando acentuado grau de desinformação e desconhecimento da realidade, já correram para “minimizar” o fato com o fajuto argumento que a jovem era advogada criminalista.
Sob este torto ponto de vista, seria “esperado” uma exposição maior ao risco, como se fosse algo inerente à profissão. Obviamente, este raciocínio é totalmente descabido, considerando que a advocacia criminal, assim como qualquer outra atividade jurídica, é essencialmente processual e burocrática e não possui qualquer relação com exposição ao risco – pelo menos não de forma inerente.
Acrescento ainda que, nesses quase 15 anos que eu transito por esta área, os episódios de violência contra profissionais do direito (e aqui amplio para outros profissionais além dos advogados) são distribuídos de modo até contraintuitivo. O advogado criminal está mais exposto ao abuso de autoridade (isso é um fato inconteste), mas obviamente que, na imensa maioria dos casos, são episódios de violações que permitem que a pessoa retorne para a sua casa com o mínimo de integridade.
Por outro lado, há inúmeros casos extremos de violência entre os profissionais que atuam nas varas de família. Quem não se lembra da juíza de SP que foi amarrada e ficou enorme tempo sendo aterrorizada com o temor de ter seu corpo queimado? O motivo: pensão alimentícia. Da mesma forma, o advogado que foi alvejado dentro de fórum em MG tinha por algoz o pai de uma criança da qual ele havia requerido a guarda unilateral em favor da mãe.
Ou seja, a opção de matéria a seguir na profissão não quer dizer, necessariamente, maior ou menor segurança. Em realidade, todos nós estamos expostos a episódios de violência no exercício da profissão. Claramente nos atinge com mais intensidade quando se trata de alguém que faz a mesma coisa que você, dado que fica muito mais fácil se colocar no lugar e assumir a sensação de que poderia ser você naquele fatídico local e com aquele fatídico destino.
Entretanto, o que realmente acaba com o humor de quem tem o mínimo de bom senso é a politização do fato e, principalmente, a instrumentalização de uma morte violenta para atacar instituições, leis e profissões. Digo isso porque se eu acho nonsense aquele que minimiza a gravidade do fato em questão porque a advogada era criminalista, é desesperadoramente pior ver outros profissionais minimizando o fato porque eles se expõem ainda mais.
Consegue ser ainda pior aqueles que demonstram uma certa satisfação com o ocorrido para logo depois usar de “lição” para “pararem de defender bandido”. Está também no mesmo nível aquele que pega o recente episódio do homicídio do policial militar em MG para “comparar”, como se fosse possível comparar uma vida com outra e dar “peso” para cada uma delas.
Como em uma imensa 5ª série da qual algumas pessoas incapazes de sequer tentar sair, fica-se “disputando” quem tem mais risco e sem a menor disposição para se debater com racionalidade um fato que interessa a todos. Hoje foi a advogada, ontem foi o policial, antes de ontem foi o estudante, no final de semana foi a dona de casa, semana passada foi o motorista de aplicativo.
Assim, sucessivamente, vamos nos expondo todos os dias e, ao mesmo tempo, brincando de achar que estamos em caixinhas diferentes porque exercemos atividades diferentes sem entender que estamos todos no mesmo “balaio”. A expressão “balaio de gatos” advém de uma prática muito comum e muito cruel há algumas décadas atrás de amarrar filhotes de gatos recém nascidos em sacos de pano para “jogar fora”.
No saco de pano o animal respira, mas não sai. No desespero de tentar se livrar, o saco de pano para “estar vivo”, pois os pequenos filhotes se movimentam violentamente para todos os lados e berram o tempo todo na agonia de se livrar da prisão. A consequência é que acabam machucando uns aos outros na tentativa de salvar a si mesmos, pois, obviamente, não têm a maturidade, força e perspicácia de um adulto para desamarrar o saco.
Pois bem, vendo estes últimos episódios tenho a triste sensação de que temos a maturidade e a inteligência de indefesos filhotes de gatos cruelmente amarrados em um balaio para sermos descartados. Sem força e sem maturidade alguma, o máximo que conseguimos é berrar uns com os outros e machucar uns aos outros, em uma tentativa individualista de salvar a si mesmo quando na verdade o balaio é o mesmo para todos.