Todo mundo adentrou o feriado de carnaval debatendo a decisão do ministro Alexandre de Moraes no âmbito da operação da Polícia Federal (PF) que investiga a potencial tentativa de golpe perpetrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Houve inúmeras manifestações, e, obviamente, a decisão mais do que rendeu, com a profusão de toda polarização política ainda vigente no país.
Neste ponto, antes de discutir a decisão e seus impactos políticos (pois isso todo mundo já fez), queria refletir sobre duas coisas importantes e que, para variar, não rendem matéria. A primeira delas é o fato de que discussões políticas devem ficar no âmbito da política, e decisões jurídicas devem ficar no âmbito do direito.
Misturar uma coisa com a outra, definitivamente, não é o melhor dos mundos. Daí você pode me questionar, principalmente se seu pêndulo político cair um pouco mais à direita: mas Hudson, a decisão do ministro foi política! Como não analisar politicamente uma decisão política?
Pois esta resposta é fácil de dar. Você, meu querido amigo de direita, bolsonarista raiz, faça o seguinte exercício comigo: imagina que ano que vem o Lula reúna todos seus ministros em uma sala, gravando e comece a atacar o sistema eleitoral. Agora imagina comigo que o Lula diz que algo deve ser feito porque o Bolsonaro vai ganhar a eleição se a mesa não virar.
Continua imaginando comigo que alguns ministros dão a entender que a máquina pública está sendo usada e será ainda mais usada para impedir a eleição de Bolsonaro e garantir a manutenção de Lula no poder. Segue ainda a reunião no sentido de orientar os ministros a chamarem todas as lideranças de esquerda, a CUT e o MST para fazer barulho na rua para desacreditar a campanha do Bolsonaro.
Imagina, por fim, que o Lula receba e edita uma minuta de decreto de estado de sítio em que manda prender o Nunes Marques e o André Mendonça, além de reduzir drasticamente o poder da Justiça Eleitoral e do Congresso. Desenhou o cenário com o Lula sentado lá na cadeira? Essa premissa é importante, meu consagrado.
Aí neste cenário, o ministro Nunes Marques toma uma decisão dura e manda apreender tudo, prende gente envolvida, apreende celular, computador e documentos e ainda manda investigar o Lula. Pois bem, meu amigo de direita... Me responda com toda honestidade do mundo: neste contexto você estaria revoltadíssimo com a Justiça e bradando que temos que ir para a rua defender a democracia contra os desmandos do Judiciário?
Ou você estaria excitadíssimo na internet se perguntando publicamente a que horas o Lula ia ser preso?
Se a resposta afirmativa mais provável é para a segunda pergunta, então a decisão do Ministro Alexandre de Moraes não é política, mas você está fazendo uma interpretação política de uma decisão jurídica. Aí, meu amigo, não há nada que se possa fazer para acudir, dado que não é possível resetar o cérebro alheio.
Ou você quer entender isso e concluir que está chateado porque a bola da vez é o político que você gosta e isso não tem qualquer relação com o mundo do direito; ou você não quer entender e aí posso dançar a hula de ponta cabeça enquanto argumento para te convencer e mesmo assim não vai adiantar.
Isso aqui vale para o petista também, OK? O exemplo foi com você porque seu representante é a bola da vez. Logo, caminhamos para a primeira conclusão: não é possível interpretar racionalmente de forma política uma decisão jurídica. Isso que os jornais tentam fazer é impossível.
É possível interpretar as consequências políticas de uma decisão jurídica. Aí tudo bem. Mas interpretar politicamente uma decisão jurídica é impossível, pois, neste viés, o julgador estará inexoravelmente sempre certo ou sempre errado, independentemente do conteúdo, mas dependente de quem interpreta. Caminhar por esta via é caos.
O segundo ponto a abordar é um exemplo que a história da França tem para nos contar e vale muito para nossos tempos atuais. Napoleão Bonaparte teve dois momentos de declínio. O primeiro deles foi em 1814, quando perdeu uma série de batalhas, se rendeu perante os ingleses e foi exilado na Ilha de Elba.
Por lá ficou nove meses e não se conteve. A ordem era que ficasse por lá para o resto da sua vida, e ele só conseguiu ficar nove míseros meses. Voltou, violando todas as ordens, para reassumir o posto de imperador.
Este retorno, por mais surreal que possa parecer, foi bem-sucedido, tendo Napoleão recuperado o posto de imperador com a ajuda das tropas enviadas para prendê-lo no meio caminho.
Nova batalhas vieram, novas derrotas também, sendo a derradeira a famosa batalha de Waterloo, e um novo declínio. Neste segundo momento, agora definitivo, Napoleão é exilado na Ilha de Santa Helena, onde permanece até morrer. Nunca perdeu a verve de imperador, sempre acreditou no seu retorno e no seu lugar “de direito”.
O tempo todo falava da França e dos franceses. Entretanto, observando sua história, suas memórias e o que deixou para trás, é possível perceber que falava de si mesmo.
Conclusão número dois: quem tem poder, quer mais poder. O poder é exercido para si mesmo sob pretexto do povo. Quem quer só fazer o bem ao próximo mesmo, funda uma ONG. Quem governa quer poder e quer para si.
E se esta pessoa perde o poder, ela buscará retornar ao poder até morrer, independentemente do custo. E este custo inclui vidas, patrimônios, liberdades, reputações e tudo o mais que você quiser imaginar. A democracia e a república surgiram exatamente para criar limites a estes ímpetos e evitar que muito sangue seja derramado para alguém entrar para a História, como sempre aconteceu.
Logo, sempre que você defender cegamente um governante, lembre que ele, de regra, não está te defendendo de volta, mas defendendo a si mesmo.