Estamos olhando demais para a IA e pouco para o que ela está fazendo com a gente -  (crédito:  rawpixel.com)

Estamos olhando demais para a IA e pouco para o que ela está fazendo com a gente

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A União Europeia, depois de muito debate e produção de conhecimento, apresentou a proposta de regulamentação para a Inteligência Artificial, algo ainda inédito no mundo. Em diversos países há inúmeros propostas a respeito, o que inclui o Brasil.

 

Muito se falou e por muito tempo se debateu sobre os avanços notáveis das tecnologias para o mundo. Entretanto, pela primeira vez estamos vivenciando os efeitos reais destas tecnologias na vida das pessoas nos seus mais variados aspectos.

 

Gostaria de destacar um que tem me chamado a atenção ultimamente: os nativos digitais ou natos digitais, com foco na geração Z, que nasceu a partir dos anos 2000. Se você viveu intensamente os anos 2000, acredite: para essa galerinha você é velho. E essa molecada está ingressando no mercado de trabalho e mostrando para o mundo os impactos de uma infância inteira enfurnada na frente de uma tela.

 

Inicialmente, as empresas e os especialistas na área de desenvolvimento humano começaram a perceber que essa geração tem baixa atenção, pouca fidelidade e se entendia com muita facilidade. É comum encontrar jovens de 20 anos com 5 experiências de trabalho diferentes porque o trabalho anterior “não era interessante”.

 

 

Também se percebeu o pouco contato com regras sociais do “mundo real”, como foi possível constatar recentemente um estudo feito em SP que mostrou que essa geração estava indo para a entrevista de emprego acompanhada dos pais. Sim, você não leu errado: eles estão indo para entrevistas de emprego com os pais.

 

Essa parte eu posso atestar, pois, como professor universitário tive a (infeliz) oportunidade de ver infinitas vezes coordenadores de curso superior terem que atender pais de alunos para resolver problemas que seus filhos de 19/20 anos não eram capazes de resolver. Tudo isso representou um mundo novo que o mercado, as empresas em geral e as pessoas das demais gerações foram chamados a começar a entender, aprender a lidar e buscar o melhor das suas potencialidades.

 

Agora surgiu uma segunda novidade: a molecada que nasceu a partir de 2006 está fazendo 18 anos e as empresas estão se deparando com desafios inesperados: eles não estão sabendo usar um computador.

 

Você não leu errado: a geração que é nativa digital não sabe usar o computador. Estamos descobrindo que essa molecada não sabe escrever um e-mail e se comunicar formalmente por um endereço eletrônico. Estamos descobrindo mais: eles não sabem usar o pacote Office para produzir um documento em Word ou Excel, assim como para elaborar uma apresentação de Power Point.

 

A última que eu vi é que tem gente chegando no mercado de trabalho e demonstrando dificuldade em usar o mouse, visto que ele é “pouco intuitivo”, e não está demonstrando muita destreza para organizar arquivos em um diretório. Se você já vive no mundo real, sabe que é impossível trabalhar (pelo menos até hoje) sem essa parafernalha.

 

Como o mercado não tem tempo para perder e a máquina precisa girar porque os boletos não param, estão retornando os pitorescos “cursos de informática” que eu e você, meu velhinho amigo, fizemos no início da década de 1990.

 

O objetivo: ensinar a escrever no Word e a montar uma planilha de Excell porque os nativos digitais, aparentemente, estão com muita destreza para rolar o feed mas pouca habilidade para produzir informação organizada em uma plataforma produzida em um tempo que em nada era intuitivo. Se você viu a tela do MS-DOS na sua frente, sinto muito, mas você já está comigo no grupo de risco. Por outro lado, sabe do que eu estou falando.

 

Mas não se afoba porque piora. Segundo a OCDE, os nativos digitais não sabem buscar informação e conhecimento na internet.

 

Ao contrário do que se imaginava, os nativos digitais são tão vulneráveis na internet quanto a tia do zap que clica em absolutamente qualquer coisa que tenha um conteúdo chamativo. Para se ter uma ideia, segundo o estudo da OCDE, considerando os 79 países envolvidos, apenas 47% dos adolescentes de 15 anos são capazes de distinguir um fato de uma opinião. Se isolarmos o Brasil, a média cai para 33%.

 

Para tornar o cenário ainda mais desesperador, quando avaliada a habilidade de navegação na internet para o mesmo público, apenas 24% dos estudantes alcançaram alta habilidade. Se isolarmos o Brasil, o resultado cai para 15%.


Ou seja, a informação está aí para quem quiser, mas, curiosamente, a geração que nasceu com um gadget nas mãos não está demonstrando capacidade de usar esta ferramenta para acessar informações simples e muito menos informações complexas.

 

A consequência é simples: exclusão, incapacidade de assumir atividades intelectuais de maior complexidade e vulnerabilidade perante riscos cada vez mais potenciais para a vida cotidiana (cada vez mais registrada em um HD). Um exemplo claro disso: de toda a força de trabalho do Governo Federal, apenas 6,7% nasceu depois de 1995. E olha que os nascidos em 1995 já estão com 29 anos!


Dei esta volta toda para concluir que estamos vivenciando hoje os efeitos de uma expansão tecnológica jamais imaginada, para a qual ninguém estava preparado e que tem se mostrado, em muitos aspectos, perigosa para os seres humanos. Apesar disso, é um caminho sem volta e debater a respeito é inevitável.

 

Essa molecada nascida de 2000 para cá é a maior vítima e, cabe a nós, os velhinhos, pensarmos rápido em medidas para mitigar esses impactos e em soluções para as próximas gerações que virão. É um dever ético de quem já estava aqui “quando tudo era mato”, mas é uma necessidade também.