Tem muita gente querendo plantar ideias na nossa cabeça que não são reais -  (crédito: Pexels)

Tem muita gente querendo plantar ideias na nossa cabeça que não são reais

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Essa semana foi curiosa e interessante para quem tem um olhar mais atento para a política brasileira, pois foi possível presenciar polos extremos opostos fazendo exatamente a mesma coisa e colocando o cidadão no meio para ser feito de bobo em todas as vertentes possíveis. Do que eu estou falando? Da Marcha para Jesus e da Parada LGBTQIA+, como não poderia deixar de ser.

 

Sem meias palavras, o Brasil não passou nem perto de reduzir o grau de hostilidade dos seus elementos de polarização. Já falei aqui outras vezes e repito: precisamos ter cuidado porque o brasileiro é violento e muito pouco habituado a tolerar o outro em todos os aspectos possíveis, imagináveis e não imagináveis.

 

Temos um problema sério em não sermos capazes de viver a própria vida sem ditar a vida alheia a partir dos nossos próprios padrões, o que, obviamente, gera conflito. A polarização política apenas reforçou esses estereótipos que sempre estiveram por aí passeando no nosso frágil tecido social.

 

Em razão disso, “cada um no seu quadrado” faz desta terra um amontoado bem amorfo de tendências, o que, por si, não é um problema. Esses “blocos temáticos” vão surgindo socialmente e se consolidando com o público que lhe convém, e, de regra, a ideia não é rivalizar, mas expressar pensamentos, posicionamentos e gostos variados.

 

 

Para localizar meu caro leitor, a Marcha para Jesus nasceu como um evento tipicamente evangélico, repetindo movimento idêntico em países de forte presente protestante, como os EUA. Pura expressão de fé de um grupo de cristãos brasileiros. A primeira Marcha ocorreu em 1993, com a intenção de congregar diversos segmentos evangélicos em um evento só, dada a pluralidade de organizações religiosas protestantes descentralizadas.

 

Por sua vez, a Parada LGBTQIA+ surgiu como um evento de promoção da diversidade e visibilidade da população que não ostenta padrões de gênero heteronormativos. A primeira Parada ocorreu em 1997, com a intenção de trazer para o Brasil um movimento que já ocorria em outros países ocidentais de promoção da igualdade para este grupo social. Ou seja, eventos surgidos em grupos específicos, socialmente orgânicos e sem qualquer tipo de intervenção externa, especialmente a intervenção estatal.

 

 

A questão surge quando esses grupos começam a demonstrar sua capacidade de capitalização de alguns indivíduos determinados, demonstrada pela visibilidade e legitimação que a exposição a estes eventos causa para o público com eles engajado.

 

Em bom português, estamos falando de capital político. Vou traduzir isso em números.

 

a) Marcha para Jesus de 2014: 700.000 (setecentas mil) pessoas;

b) Parada LGBTQIA de 2014: 100.000 (cem mil) pessoas;

c) Marcha para Jesus 2024: 2.000.000 (dois milhões) de pessoas;

d) Parada LGBTQIA de 2024: 3.000.000 (três milhões) de pessoas.

 

Esses são apenas os números oficiais de pessoas presentes, o que se desconsideram as pessoas que são impactadas pelo evento e não estavam lá. Ou seja, a Marcha para Jesus quase triplicou de tamanho em dez anos, e a Parada LGBTQIA multiplicou 30 vezes seu tamanho em dez anos.

 

 

Sabe o que isso significa? Votos! Muitos votos! Todos ali bem reunidinhos e ávidos por alguém balançando uma bandeirinha que o público abertamente dá valor e, por consequência, encontrar um “salvador da pátria” e da sua bandeirinha.

 

Não por outra razão, no dia 31 de maio deste ano, viu-se na Marcha para Jesus o advogado-geral da União, Jorge Messias, lendo uma carta do presidente Lula; estavam presentes “prestigiando” o evento o prefeito Ricardo Nunes, os governadores Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado – além de deputados estaduais e federais. Em comum: todos se apresentando como fiéis seguidores dos preceitos da bíblia cristã protestante.

 

Por sua vez, em 2 de junho, viu-se na Parada LGBTQIA os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos e Tábata do Amaral, ambos deputados federais; também “prestigiaram” o evento a deputada Federal Erika Hilton e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida. Em comum: todos se apresentando como defensores da causa e apoiadores da pauta. Ressalva feita para a Deputada Erika Hilton, que é transsexual e, portanto, atua de forma genuinamente aderente à pauta há muitos anos.

 

 

O detalhe importante: quem foi na Marcha para Jesus, não foi na Parada LGBTQIA; quem foi na Parada LGBTQIA, não foi na Marcha para Jesus. E, curiosamente, ouviu-se dos dois lados trocas de acusações de instrumentalização dos eventos (obviamente, o do “outro”) para capitalização política.

 

Não curiosamente, as acusações são verdadeiras. Esses eventos não nasceram para a promoção política de ninguém, mas foram cooptados por determinados políticos para potencializar palanques e projeções eleitorais. Essas pessoas, esses cidadãos e, principalmente, esses eleitores foram desviados do seu propósito original para instrumentalizar interesses políticos de terceiros.

 

A Marcha para Jesus virou campanha antecipada e canalização de votos para um grupo, e a Parada LGBTQIA virou campanha antecipada e canalização de votos para outro grupo. Obviamente, ambos estão errados e acabam, ainda que não intencionalmente, colocando grupos sociais (no caso, comunidade LGBTQIA e protestantes) como adversários, quando na verdade são apenas grupos sociais diversos.

 

Uma manifestação social vira manifestação política, cria adversários e, no tom que estamos, cria inimigos. O discurso contra os evangélicos e a comunidade LGBTQIA anda cada vez mais odioso, e há uma razão para isso: eles foram instrumentalizados como eficientes soldados de uma guerra que não é deles.

 

Em suma, Djonga está certo quando diz: “Esquerda de lá, direita de cá/ E o povo segue firme, tomando no centro”. Ousaria eu fazer apenas uma pequena correção, pois a gente toma é no “centrão” e nem se dá conta.