A discussão no STF não vai mudar nada ou vai piorar as coisas -  (crédito: Pexels)

A discussão no STF não vai mudar nada ou vai piorar as coisas

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Nessa terça-feira (25/6), o Superior Tribunal Federal (STF) formou maioria para concluir pela inconstitucionalidade da criminalização de porte de maconha para consumo pessoal. Recebi de todos os lados gente comemorando como em uma final de campeonato, como se tivesse superado uma barreira para o consumo de drogas no Brasil.

 

Recebi também inúmeras reclamações de pessoas reclamando que o STF está legislando e que é um absurdo para a sociedade brasileira que se libere o uso de drogas impunemente. Olho para todo mundo e fico meio atordoado, no nível “O Alienista”, por perceber que as pessoas que comemoram e criticam não entenderam bem os efeitos dessa decisão.

 

 

Para começo de conversa, o contexto em que a decisão foi tomada é o mais hostil possível. O Congresso Nacional é massivamente conservador, o que indica que existe uma parcela absolutamente significativa da população brasileira que escolheu como seus representantes pessoas que sustentam discursos absolutamente opostos a este tipo de decisão.

 

Ou seja, para os que estão comemorando, não vai dar tempo de esfriar antes de a reação legislativa vir. E não nos espantemos se a legislação for ainda mais restritiva do que a legislação que existia antes. Além disso, como visto, a proposta é para incluir a proibição na Constituição, o que torna muito mais complexo de submeter ao crivo da inconstitucionalidade (ainda que seja possível, mas não se compara com uma lei).

 

 

Somente por aí o tiro já sai pela culatra para quem está comemorando. Mas tem mais!

 

O festejado Luigi Ferrajoli, autor de uma das obras mais sensatas, completas e organizadas sobre teoria do crime que eu já li (Direito e Razão: teoria do garantismo penal), já discutia esse tema lá década de 1990 e mostrava que não é simples assim. O Ferrajoli, é importante frisar, é um dos expoentes do minimalismo penal, que nada mais é do que a premissa de que a intervenção penal deve ser a menor possível e apenas naquelas situações absolutamente necessárias.

 

Entretanto, o livro dele fala de direito e de razão, de modo que ele tenta dialogar com a realidade de forma muito sóbria. Um desses momento ocorre quando ele trata da penalização ineficiente, sob a ótica das agências de segurança (aqui incluindo tudo que você puder imaginar, como polícia, justiça, MP, estruturas penais e qualquer órgão que caiba aqui).

 

Segundo o autor, se as agências observam que a penalização é ineficiente, há uma tendência de que as agências passem a aplicar penas informais para suprir a deficiência do sistema formal. Aqui o olhar é sociológico e não jurídico. Não quer dizer que é certo ou errado, mas que acontece.

 

 

Lá em 2006, quando a Lei de Drogas vigente foi publicada e o uso de drogas deixou de ter previsão de pena privativa de liberdade, pudemos observar com clareza esse movimento. Tudo virou tráfico! Qualquer mínima quantidade é tráfico. Por quê? Porque as agências entendem que o uso não tem sanção eficiente, de modo que não tem briga com o sistema, mas adaptação para manter os “padrões de punição”.

 

Não é difícil concluir que agora o movimento será o mesmo. O STF está discutindo situações ideais “de gabinete”, onde uma pessoa é pega com a quantidade “X” de droga para consumo pessoal. E os demais elementos circunstanciais? Nada disso está sendo debatido.

 

O Ministro Dias Toffoli levantou essa questão, mas sem dar uma resposta clara. Na discussão do voto do Ministro, ele mesmo coloca a seguinte situação: uma comunidade muito pobre, um moleque desempregado é pego com 5g de maconha e R$ 2.000,00 em dinheiro e sem meio de comprovar a origem.

 

 

O que é isso? Não se engane, vai ser tráfico para todos os fins. Os votos da Ministra Carmén Lúcia e do ministro Alexandre de Moraes estão sendo comemoradíssimos, como sendo “corajosos” ao destacar que até 60g de maconha presume-se o uso. Quem comemora só não observou que todos fizeram a ressalva quanto a “relativização dessa presunção por decisão fundamentada do Delegado de Polícia, fundada em elementos objetivos que sinalizem o intuito de mercancia”. O que mudou? Nada.

 

Tem mais um detalhe. Lembra das penas informais? Pois é. Junta isso com o fato de que se o uso deixou de ser crime, a produção, transporte, venda, doação, armazenamento e mais um monte de condutas continua sendo tráfico e sendo crime equiparado a hediondo.

 

Agora se coloca no lugar do policial que está na rua trabalhando igual a uma mula para ver playboy fumando maconha na cara dele sem poder fazer nada se não existirem os tais elementos objetivos que sinalizem a mercancia. O que você acha que vai acontecer? Ele vai dar um “alô” para a galera ou vai quebrar alguns dentes ou costelas da molecada para descobrir a origem da droga que o “menino bom” está licitamente consumindo?

 

Penas informais, simples assim. A gente precisa parar de ser ingênuo! Essa galera que está comemorando hoje denuncia estas condutas das agências de segurança hoje, quando não há contexto para acontecer. Imagina agora? A operacionalização das agências de segurança não só vai continuar sendo rigorosamente a mesma como será exponencialmente mais rigorosa.

 

 

Não estou aqui dizendo que todos os agentes de segurança pública terão este tipo de procedimento, mas teoricamente é possível prever este movimento das agências. É preciso olhar a realidade com o olho da agência.

 

O policial sabe que o tráfico continua lá. E enquanto o tráfico é ilícito, permanece toda a estrutura violenta do tráfico, que cria um terror nas periferias do país, mata gente inocente, incluindo, obviamente, policiais. Impossível não se lembrar da cena do filme Tropa de Elite, em que o policial bate no playboy maconheiro da PUC e com o dedo na cara dele afirma que a culpa da morte que acabara de ocorrer é dele e não do policial que atirou.

 

Então é isso aí. Para quem está chateado com a decisão do STF, fique tranquilo. A tendência é que as agências de segurança sejam ainda mais rígidas e que a pressão sobre o tráfico seja ainda mais intensa. Para quem está comemorando, firma na cadeira que vai durar pouco. A reação legislativa vem rápido e vai ficar muito mais restritivo do que antes (e com amplo apoio da popular, é importante frisar).

 

Além disso, não se anime a andar pelas ruas ostentando seu baseado na cara da polícia, sob pena de se ter o “azar” de trombar com um policial que perdeu seu colega de farda para um tiro do tráfico. Ali, ele vai ser o acusador, o juiz e o executor e provavelmente descontará neste lícito usuário toda a sua frustração com a disfuncionalidade de um sistema fadado ao fracasso.

 

Isso salvo se for a galerinha da zona sul que não pode bater muito porque não dá para saber quem é o pai ou a mãe e pode dar no jornal, mas aí sempre foi assim. Em suma, muda-se tudo para deixar tudo como está.

 

Todos os países que conseguiram passar por esta discussão de forma adulta, racional e funcional discutiram o tráfico e não o uso. Ou seja, estamos falando da coisa errada, e isso é de uma obviedade que enlouquece quem quer parar e refletir minimamente.

 

E como essa reflexão mínima não é feita, como a sociedade não é colocada no diálogo para compreender, como as agências de segurança são ignoradas neste debate, como se não fossem importantes, vai dar tudo errado de novo. Parece a mim que quem está feliz e quem está triste, cada qual à sua maneira, não entendeu bem o movimento do tabuleiro. E, pelo menos no xadrez, quem fica muito feliz com um movimento, de regra, não está entendendo bem o jogo e acaba perdendo.