O governo Bolsonaro inaugurou um novo nível de submissão à pressão do Congresso Nacional à sua sanha desvairada por recursos: o orçamento secreto. É uma coisa tão absurda e escandalosa que demonstra a completa falta de limites de alguns membros do Parlamento em busca de dinheiro para finalidades pouco republicadas.

 

E eu explico: não estou falando necessariamente de corrupção, mas de abuso e concentração de poder. O orçamento secreto nada mais é do um mecanismo de centralização da destinação de verbas por parlamentares sem a devida prestação de contas. E pior: tudo concentrado nas mãos de uns poucos.

 

Se o Congresso já tinha a “casta alta” e a “casta baixa”, o orçamento secreto inaugurou a “casta decisora” e a “casta inútil”, relegando centenas de parlamentares e meras peças figurativas. Quer um exemplo grotesco? Recentemente a Deputada Federal Adriana Ventura (Novo – SP) teve que ir ao plenário para reclamar que se estava votando algo que não foi distribuído aos parlamentares!

 



 

Você não entendeu errado: alguns parlamentares decidem e colocam na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados para ser votado um projeto que não foi submetido à apreciação prévia dos Deputados Federais! E se não votar já sabe... uma emenda ou outra pode acabar não chegando ao destino e afetando bases eleitorais.

 

É distópico em nível que eu nem me arrisco a adjetivar.

 

E se tem uma lição que a vida nos dá é: nada é tão ruim que não possa ficar pior!

 

Nas eleições de 2022, houve uma enxurrada de críticas ao orçamento secreto porque ele, na prática, financiou ilicitamente a campanha eleitoral de quem já estava no poder. Pois bem, entra um novo governo e a expectativa óbvia era de que o orçamento secreto seria combatido!

 

 

Combatido por quem cara pálida? Ele aumentou! O inadequado orçamento secreto ficou maior, com mais recursos e ainda mais distribuição de dinheiro público para bases eleitorais. Resultado: novamente dinheiro público está sendo direcionado para o financiamento irregular de campanhas eleitorais (agora as municipais, mas com todos os olhos em 2026).

 

E o cerne de tudo isso está em uma figura bizarra denominada “emenda parlamentar”. Em um traçado bem simplista, a cronologia desta aberração é a seguinte: o “cidadão comum” (odeio essa expressão, pois dá a ideia de que existem cidadãos incomuns) tende a ver com mais clareza o trabalho do Poder Executivo.

 

Quem faz escola, contrata profissional da saúde e asfalta rua é a prefeitura. Quem coloca polícia na rua, faz a gestão do órgão de trânsito e mantém as escolas do ensino médio é o Governo do Estado. Quem mantém as universidades federais, a polícia federal e o IBAMA é o Governo Federal. Normalmente tudo isso é centralizado no nome do mandatário que ocupa a respectiva cadeira.

 

Percebeu que o membro do legislativo é meio apagadinho? E são muitos! Salvo os com parlamentares com posição destacada, como o presidente da casa, pouco se conhece dos parlamentares. Todo mundo sabe o nome do Presidente da República, do Governador do Estado e do Prefeito, mas dá para contar nos dedos quem conhece 1/3 de cada uma das casas parlamentares.

 

 

Aí, para tentar garantir a própria reeleição, um parlamentar teve a “brilhante ideia” de chegar para o Executivo enquanto se estava votando a lei orçamentária (afinal, votar leis é a função do parlamentar) e “sugerir” uma pequena alteração para que fosse um pouco mais de dinheiro para o município de “Vila Abobrinha”. O chefe do Executivo, ao sancionar a lei orçamentária, achou possível e razoável a alteração e assinou o documento, executando o orçamento daquele jeito.

 

Pronto! Estava pintado o outdoor que o parlamentar precisava: “Graças à ação contundente do nosso Zezinho Pai dos Pobres, Vila Abobrinha agora tem um posto de saúde novinho!”

 

Sacou o movimento? O parlamentar, que era apagadinho, agora ficou vistoso e ganhou a reeleição para trabalhar arduamente por mais coisas para a Vila Abobrinha. Na prática, ele pegou um pedaço de dinheiro do Executivo e mexeu de um quadrado para outro quadrado, mas óbvio que isso não vai para o outdoor.

 

Outro parlamentar viu e achou muito interessante! E depois que vários acharam interessante, todo mundo começou a fazer! Só que veio 2015. O que aconteceu em 2015? A então Presidente Dilma Roussef tinha um problema pragmático: não tinha dinheiro.

 

Qual foi a brilhante ideia? Mandar um recado para o Congresso: “meu povo e minha pova, esse ano não tem emenda parlamentar porque a grana está curta”. O que fizeram os cabisbaixos parlamentares? Mudaram a Constituição!

 

Não quer pagar por boa vontade? Então agora se não pagar vai dar impeachment. A emenda constitucional n. 86/2015 colocou as emendas parlamentares na Constituição com o portentoso nome de “orçamento impositivo”. Rodou, literalmente, mas não exatamente como era do gosto de todo mundo (se é que me entendem).

 

Então teve a emenda constitucional n. 100/2019, para ampliar o orçamento impositivo e agora sem nenhum pudor destinando para obras. Não satisfeitos, tivemos a emenda constitucional n. 102/2019 (como é fácil mudar a Constituição!) para ampliar ainda mais as fontes de recursos.

 

Não coincidentemente, no ano seguinte, surge o nosso dileto orçamento secreto. Veja só, agora com um “orçamento bombado”, não precisa mais assinar a rubrica do dinheiro. Só quem dá e quem recebe sabe.

 

É tipo influencer digital que aparece na publicação usando despretensiosamente uma camisa de marca e se dizendo extremamente confortável e feliz sem explicar para o público que a marca que está pagando tudo. Pois é... a lógica é essa. Tudo vira voto e gente trabalhando para obter votos para obter mais emendas e que gerem mais votos, como um bom esquema de pirâmide que garante benefício só para uns poucos.

 

E como deu certo demais, ele está aumentando bastante. É uma forma evidente de institucionalizar uma prática nada republicana, que subverte as funções de Estado e mina qualquer possibilidade de governabilidade de quem quer que esteja no Poder. E tudo com a única função de garantir poder e voto para determinadas pessoas.

 

É mais do que distópico, é uma forma silenciosa de minar qualquer possibilidade de que o jogo democrático seja minimamente honesto, minimamente igualitário e que o Estado sirva, minimamente, para resolver problemas reais da população. Se nada for feito, essa bomba vai estourar. E para variar, vai ser no colo do brasileiro. 

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