Há um ano (quase exato, pois foi no início de julho de 2023), o presidente Lula (PT), em uma tentativa muito mal articulada de defender Nicolás Maduro, afirmou que a democracia era relativa, querendo dizer que a Venezuela era uma democracia. Para complementar a patacoada, ainda me saiu com a “tese” de que a Venezuela tinha mais eleições do que o Brasil – o que, em um momento um tanto quanto delirante, reforçaria a democracia venezuelana.

 

Pois é, a conta chega. Agora haverá eleições na Venezuela. A principal opositora do atual presidente, Maria Corina Machado, foi limada do processo eleitoral. Mesmo assim, o seu indicado, Edmundo Gonzáles Urrutia (que não deu tempo de tirar da disputa), está brigando “nariz com nariz” nas pesquisas – mesmo tendo toda a máquina contra si.

 

Parêntesis: curioso como o uso da máquina do Estado contra opositores em processos eleitorais é uma realidade do mundo. Se você tem complexo de vira-latas, se anime, pois isso não é especialidade tupiniquim.

 

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Para terminar e complementar o quadro caótico, Maduro (já antigo no cargo, pois é presidente desde 2012) afirmou que se ele não ganhar haverá “banho de sangue” e “guerra civil” caso ele perca as eleições.

 

A resposta do presidente Lula foi ter “ficado assustado”. A pergunta inevitável é: assustado com o que, cara pálida? Maduro fez o que vem fazendo desde 2012 quando chegou à presidência, em continuidade ao que Hugo Chávez fez desde 1999, quando chegou à presidência.

 

Eu já disse aqui (tendo exatamente a Venezuela como pano de fundo) que as relações internacionais são muito mais pragmáticas do que coerentes. No mundo, não se relaciona com quem “se quer”, mas com quem “se precisa”. A depender da necessidade, alguém ou algum país é “bom” ou “mau”, “democrático” ou “autoritário” e mais qualquer coisa que se quiser falar.

 

A maior prova disso é o fato de que a Primeira Ministra italiana, Giorgia Meloni, líder do Fratelli d’Italia, partido de direita que comanda o país com discursos muito próximos ao do bolsonarismo, convidou o Lula para a Reunião do G7 ocorrida no mês passado nas suas terras. Ela gosta do Lula? Óbvio que não. Ela o queria lá? Óbvio que não. Mas, como disse, o ambiente é mais de necessidade do que de vontade.

 

Entretanto, mesmo diante deste fato inexorável, há saídas mais honrosas. Não é preciso negar a realidade para manter relações diplomáticas importantes. Basta se esquivar das respostas óbvias, com aqueles clichês altamente funcionais, como “autodeterminação dos povos”, que sempre ajudam a não “passar pano” para ditadura e, ao mesmo tempo, não falar que é ditadura.

 

A falta de traquejo para tratar desta situação gerou a encruzilhada que o governo se auto colocou: se Maduro perder, não vai querer entregar o poder. Isso tem nome: é golpe. É absolutamente tudo que os membros do governo atual criticaram de alguns setores do governo anterior, na tentativa de impedir Lula de assumir a presidência.

 



 

E por ato próprio, o governo vai ter que lidar com os seus próprios paradoxos. Ou se mantém minimamente coerente com o seu próprio discurso interno e chama Maduro de golpista; ou nega seu próprio discurso, reforçando internamente discursos semelhantes, e encontra alguma pseudojustificativa para o injustificável.

 

Ironicamente (e aqui a ironia é trágica), quem já acompanhou algumas eleições na Venezuela sabe que o país é qualquer coisa menos democrática e, exatamente por isso, a chance de Maduro perder as eleições é ínfima. E o ínfimo que existir, desaparece em uma sarjeta qualquer.

 

Ou seja, a evidente ausência de democracia da Venezuela talvez seja a tábua de salvação para que o governo brasileiro não tenha que se espantar ainda mais com as próprias falhas.

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