Alguns atletas que participam das Olimpíadas já sofreram casos de abuso na infância e adolescência -  (crédito: Divulgação)

Alguns atletas que participam das Olimpíadas já sofreram casos de abuso na infância e adolescência

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Por Tamara Santos 
 
Todos temos acompanhado os Jogos Olímpicos, que acontecem em Paris, torcendo pelos atletas, vibrando com cada medalha mas desconhecendo a luta de superação para ali estarem. Mas escolhi um ponto de discussão que me chama atenção em relação aos atletas do mundo inteiro: o fato de quase ninguém comentar que alguns desses atletas sofreram abuso infantil. 

Ao longo de muitos treinos e formação, algumas daquelas pessoas que deveriam zelar pela integridade física e psicológica dos pequenos atletas se esconderam por trás da roupagem de técnico ou preparador físico, para satisfazer a sua lascívia.
 
Dentre vários os exemplos, podemos citar o ex-médico da seleção americana de ginástica, Larry Nassar, que foi acusado por inúmeras atletas de abuso sexual, inclusive pela ginasta Simone Biles. 
 
 
Mas, não é só no meio esportivo que isso acontece. Recentemente foi publicamente divulgado o caso do ex-professor de teatro, Carlos Veiga Filho, que trabalhou por mais de 17 anos no Colégio Rio Branco, uma das escolas mais tradicionais de São Paulo. Ele foi preso preventivamente acusado de estupro de vulnerável e produção de imagens pornográficas de adolescentes.
 

Segundo reportagem do Fantástico, que foi ao ar no último domingo (4/8), o suspeito praticava os crimes desde 1995. No entanto, as denúncias só começaram a acontecer ano passado, quando alunos de uma escola particular o denunciaram para a direção da instituição, que procurou a polícia. 
 
A partir das denúncias foi possível constatar que Veiga empregava mesma forma ou mesmo caminho (“modus operandi”) que praticou no Colégio Rio Branco: tirar fotos de adolescentes nus e passar as mãos em suas partes íntimas. 

Vários adolescentes que estudaram no Colégio Rio Branco teriam sofrido o abuso sexual por parte de Veiga, mas foram incapazes de denunciar o agressor, por não terem o conhecimento necessário para entender que aqueles atos eram tidos como abuso e que não deveriam acontecer. 
 

Lei Joanna Maranhão 

Muitos desses crimes já estão prescritos, mesmo com a alteração proporcionada pela Lei Joanna Maranhão (Lei nº. 12.650/2012), alterando o art. 111, do Código Penal, que trata da prescrição abstrata, ou seja, da prescrição antes do trânsito em julgado da sentença final.

Essa lei surgiu a partir do caso emblemático envolvendo a nadadora brasileira Joanna Maranhão, que foi abusada quando criança por seu treinador. Ela externalizou o abuso já na fase adulta, tendo o crime prescrito, impedindo a responsabilização do agressor.
  
A Lei Joanna Maranhão determina que, quando o crime é praticado contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, o prazo prescricional será iniciado da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. Isto quer dizer que a referida Lei amplia o prazo da prescrição, tendo o Estado maior tempo para tomar conhecimento do crime, investigar, processar e julgar.
 

Vou dar um exemplo: a pena do crime de estupro de vulnerável (art.217-A, do CP) é de reclusão, de 8 a 15 anos. Esse crime normalmente prescreve em 20 anos (art. 109, do CP). Todavia, como se trata de um crime praticado contra menor de 14 anos, ele prescreverá em 38 anos, pois o marco inicial para contagem é quando a vítima completar 18 anos de idade e não a data de consumação do crime. Esse prazo prescricional ampliado permite que a vítima se desenvolva, adquirindo o amadurecimento e o discernimento necessário para compreender a violência que sofreu e, assim, promover a denúncia do abuso.
 

Dados do Unicef

 
Em maio de 2023, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), citando a Organização Mundial da Saúde, detalha que das 204 milhões de crianças com menos de 18 anos, 9,6% sofrem exploração sexual, 22,9% são vítimas de abuso físico e 29,1% têm danos emocionais.
 
Os dados mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil – no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.
 
É preciso que nós (e aqui quando falo nós, deve se entender a sociedade, a família e o Estado), forneçamos para nossas crianças e adolescentes uma comunicação clara sobre as condutas abusivas, deixando de lado o tabu que envolve a temática. Valendo ressaltar que o agressor, na maioria das vezes, é alguém próximo da criança ou adolescente, um familiar, um vizinho, um professor ou treinador. É uma figura que permeia o cotidiano e a intimidade da criança e proporciona confiança, o que só favorece a execução do abuso sexual infantil.
 
Ensinar as crianças e adolescentes sobre o corpo humano é fundamental para que elas saibam quais são as suas partes íntimas e os tipos de interações que podem configurar o abuso. Isso permite que elas saibam como se proteger ou denunciar o ocorrido.
 
O diálogo e a informação são os melhores caminhos para que entendam sobre os limites de seu corpo e assim não autorizem toques em suas partes íntimas. Vale também instruir sobre algumas das formas utilizadas pelos abusadores para atrair as crianças e adolescentes como, por exemplo, distribuir doces ou presentes.
 
E sem sombra de dúvidas, vale pontuar a necessidade de observação quanto ao comportamento do menor. Os pais ou responsáveis devem atentar para uma mudança brusca de comportamento, como o isolamento social e ou a hipersexualização.
 
Havendo a suspeita de que a criança ou adolescente está sendo vítima de abuso, seja de qualquer natureza (físico, mental ou sexual), denuncie no Disque 100 ou entre em contato com o Conselho Tutelar da sua localidade; Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas); Delegacias Especializadas de Proteção à Criança e ao Adolescente; ou mesmo as Varas da Infância e Juventude.
 
Esse crime deixa marca profunda na criança ou adolescente que em muitos casos, precisa de tratamento psicológico para superação. Quem conhece caso concreto de abuso infantil e se cala, consente no crime!

Tamara Santos é advogada