Todo mundo foi bombardeado incessantemente com as imagens do candidato José Luiz Datena agredindo o candidato Pablo Marçal em pleno estúdio da TV Cultura, quando da realização do seu debate com os candidatos à Prefeitura de SP. A repercussão, por óbvio, foi imediata, com transmissão e retransmissão, assim como com milhares de publicações e republicações nas redes sociais.


Tivéssemos nós Twitter, fatalmente estaria nos “trend topics”.

 
Entretanto, ao contrário do que já fomos bombardeados de “conteúdo”, o que me chamou a atenção foi outra coisa. Ainda bem, pois o objetivo aqui não é, como já de costume, repetir o que já foi dito, mas distanciar um pouco do cenário para ver algo maior.

 

 

Essa distância nos permite observar que esse evento, isoladamente, tem um sentido, mas pode ter um sentido muito diferente visto em um conjunto. A minha proposta é voltar um pouco e fazer um tour mental pelas eleições do séc. XXI, o que algumas crianças terão dificuldade em razão da data de nascimento, mas vale a tentativa.

 
As eleições municipais sempre foram marcadas pela chacota. Basta lembrar quando o Macaco Tião recebeu mais de 400.000 votos para nas eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro de 1988. Da mesma forma, ao longo dos anos 1990 os momentos constrangedores se multiplicaram eleição pós eleição.

 





 
Dito isto, você pode estar se perguntando qual é o motivo para o recorte com o séc. XXI? E a resposta é dúplice.

 
Em primeiro lugar, temos a internet e as redes sociais. Para as crianças na sala, até os primeiros anos do séc. XXI, quase ninguém tinha internet. O whatsapp chegou ao Brasil somente em 2009 e somente para o iPhone, o que dá uma ideia do seu alcance inicial.

 

 

Ou seja, o séc. XXI marca uma virada de paradigma sobre o alcance da informação. A partir da segunda década do século (e meu marco aqui é exatamente a eleição de 2010), as eleições sofreram drásticos baques, assim como todo o processo de comunicação.

 
Logo, as bizarrices eleitorais ganharam outro tipo de alcance. Até então, entrava eleição e saía eleição, todo jornal tinha uma reportagem de 1 minuto sobre as babaquices eleitorais. Agora elas ficam gravadas e são repostadas milhares de vezes incessantemente até o momento em que apareça outra babaquice maior para ocupar o espaço.

 
Em resumo: ser tapado te faz famoso. Ser sério eu já não garanto nada.

 



Em segundo lugar, ao longo deste século as regras para financiamento de campanha foram profundamente alteradas, especialmente após a eclosão de inúmeros escândalos de corrupção envolvendo financiamentos eleitorais. Atualmente, a maior parte do financiamento eleitoral é público.

 
Os candidatos podem arrecadar dinheiro privado, mas não precisa de muito esforço para entender que o privado não vai colocar dinheiro em fanfarronices eleitorais. Ou seja, quanto mais mentecapto o candidato, mais provavelmente ele está passando vergonha com o seu dinheiro.

 
Para 2024, o Fundo Especial para o Financiamento de Campanha (o famoso “fundão eleitoral”) foi na bagatela de 4,9 bilhões de reais.

 
Parêntesis necessário: não sou contra o financiamento público de campanhas. Ao contrário, o financiamento público existe em muitos países e tem importante papel no combate à corrupção.

 



Com ele, evita-se que apenas quem tem acesso a recursos financeiros possam concorrer às eleições e também evita que aqueles que têm recursos financeiros e são mal intencionados sejam credores de políticos eleitos, forçando-os a legislar por interesse privado e não por interesse público. A discussão sobre o uso (ou mau uso) dele é outro ponto que não se relaciona com a sua existência em si.

 
Voltando: Ou seja, estamos hoje em um ambiente que dá para ficar famoso com absolutamente qualquer bobagem e, ainda por cima, financiado com o dinheiro do pagador de impostos! Cada eleição alguém com uma bola vermelha no nariz ganha milhares (ou milhões) de seguidores nas redes sociais para faturar alto sem precisar saber fazer um círculo com o fundo do copo.


O evento que dá o título para esta coluna é bem indicativo deste cenário. Os memes, piadas e divertimentos causados pelo episódio dão conta de como não vale muito a pena ser sério nestas terras. Candidaturas que adotam posturas sérias e não se dispõem a disputar o palco do circo são solenemente apagadas, como se não existissem na disputa.

 
Cito duas, de dois espectros políticos antagônicos: Maria Helena (Partido Novo) e Tábata Amaral (PSB). Se observar as duas campanhas, cada uma no seu “canto”, são propositivas e buscam manter o tom de seriedade que merece uma disputa eleitoral (ainda mais a disputa eleitoral da maior cidade do país). Infelizmente, Tábata está com cerca de 8% nas pesquisas e Maria Helena com cerca de 3%.

 

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Como em qualquer ambiente, a eleição se tornou um grande mercado, onde a lei da oferta e da procura é regulada de forma espontânea a partir do apelo do demandante. A demanda está muito longe de ser algo reflexivo, sério e interessado nos benefícios que uma gestão pode proporcionar para um município, mas na baderna, caos e circo, tudo devidamente filmado e recortado para o meme.

 
Seguindo as leis de mercado, se a demanda não mudar, a tendência é que pessoas sérias sejam cada vez menos encorajadas a disputar espaços de poder e que cada vez mais babacas se sintam habilitados para o pleito. É a materialização da “idiocracia” bem diante dos nossos olhos. E o que a gente faz? Curte o meme.

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