Carteira de trabalho tem custo -  (crédito: Ana Volpe/Agência Senado)

Carteira de trabalho tem custo

crédito: Ana Volpe/Agência Senado

A Deputada Érika Hilton conseguiu colher assinaturas para protocolar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para a redução da jornada de trabalho. Atualmente, conforme o art. 7º, XIII, da Constituição, o limite de jornada é de 8h diárias e 44h semanais.

 

Na prática, isso significa uma distribuição necessária de execução do trabalho por, pelo menos, 6 dias dos 7 dias da semana. A intenção da PEC é reduzir de tal forma que o texto constitucional estabeleça 8h diárias e 36h semanais, o que implicaria em uma jornada de trabalho que daria para encaixar em 4 dias de trabalho por 3 dias de descanso.

 

 

 

Obviamente que o caos narrativo já está instalado, o que impede uma análise racional do assunto e, via de consequência, um debate saudável. Então estou aqui disposto a te dar um argumento poderoso para você semear a discórdia no grupo de whatsapp da família ou no almoço de domingo.

 

Vai por mim, vai servir para todo mundo. Como de praxe, a minha intenção sempre será demonstrar que a posição da torcida organizada meu-político-de estimação-futebol-clube, de regra, está errada. E aqui não seria diferente.

 

 

O ponto principal passa por uma análise muito pouco conhecida e muito pouco explorada até mesmo pelos operadores do direito - imagina por quem nem passa perto da matéria! Falo da desconhecida “análise econômica do direito”.

 

Esse patinho feio tem um valor absurdo para pensar as normas jurídicas e, talvez, seu maior valor é o seu maior infortúnio. Isto porque a economia, diferente do direito, é uma ciência social que busca observar e buscar padrões pragmáticos sobre o comportamento dos agentes econômicos.

 

 

A economia busca tirar um “retrato” da realidade e observar como as coisas funcionam. Por isso, muitas vezes a economia é colocada em uma prateleira de crueldade que não lhe cabe. A economia não é cruel. As pessoas são cruéis e seus atos cruéis têm efeitos econômicos.

 

Se em um ambiente econômico pessoas são negociadas como bens materiais, haverá um cálculo econômico para fazer a leitura daquele ambiente. Se neste mesmo ambiente se proíbe a negociação de pessoas como bens materiais, haverá um cálculo econômico para fazer a leitura deste novo cenário. Percebeu?

 

O direito não... a gente que é do direito foi ensinadA que se vive sob o império da lei. Isso é tão bonito quanto inútil. Entretanto, curiosamente, esta inutilidade cai muito bem e soa de forma muito palatável para ouvidos incautos.

 

 

Daí fica parecendo que basta escrever em um papel uma frase, colocar no cabeçalho o nome de “lei” e no dia seguinte, por força de algum pó de pirlimpimpim jurídico, a realidade está alterada. Deu para perceber que isso parece tão viável quanto pedir presente para o Papai Noel sem ter alguém com dinheiro para receber a cartinha?

 

Pois é. Daí que tem um livro muito famoso nos EUA escrito por Stephen Holmes e Cass Sunstein com o sugestivo nome de “Os Custos dos Direitos — Por que a liberdade depende dos tributos”. O nome é auto explicativo: não existe almoço grátis, assim como não existe SUS grátis, Escola Pública grátis, Segurança Pública grátis e mais o que você quiser colocar na lista.

 

 

Absolutamente qualquer coisa que se coloque em pauta em qualquer lugar e sob qualquer circunstância vai gerar um custo e o dinheiro para bancar este custo vai sair do bolso de alguém. É muito simples a conta.

 

Imagine que você quer se dar ao direito de tomar um pote de sorvete todo domingo. Afinal, você merece. O sorvete brota por geração espontânea na sua geladeira? Creio que não. Então tem que comprar. Ou você compra ou alguém compra para você.

 

Tem uma sorveteria na porta da sua casa? Se não tem, é preciso pagar por um transporte (próprio ou alheio) para ir comprar o sorvete. Você dá conta de comer tudo de uma vez? Se não, precisa de uma geladeira e luz elétrica instalada para manter o sorvete.

 

Sem dinheiro do transporte, não tem sorvete. Sem dinheiro do sorvete, não tem sorvete. Sem dinheiro para a geladeira e a luz, não tem sorvete guardado.

 

 

Com qualquer direito é a mesma coisa e o nosso patinho feio da análise econômica do direito mostra isso. Quer garantir um direito a mais que não existia? Fique à vontade. Mas tem uma fatura aqui que vai ser paga por alguém e esse alguém, eventualmente, dá para identificar.

 

Vamos perguntar se o dono desta fatura nova está disposto a pagar a conta? Acho uma medida justa.

 

Tem gente que anda de carro popular. É confortável? Não. É seguro? Também não. Mas é barato e às vezes é o que tem para não encarar o ônibus lotado. Mas se a vida melhorar um pouco, aí dá para partir para um sedã de luxo. É confortável? Muito. É seguro? Bastante. Mas é caro, bebe bastante e a manutenção pesa. Se topar, tem um monte por aí vendendo.

 

Ambas são escolhas racionais. Nenhum dos dois motoristas é mais ou menos inteligente que o outro, mas apenas fizeram escolhas que julgaram estarem aptos a suportar.

 

 

Aqui sobre a jornada de trabalho é mesma coisa. Pode mudar? Pode. Vai ser bom? Para a imensa maioria das pessoas, creio que vai. Vai ser barato? Vai não. E quem vai pagar essa conta? As mesmas pessoas.

 

O custo da mão de obra vai aumentar e esse aumento de custo será repassado para os consumidores. A conta é simples: se para manter um posto de gasolina aberto hoje eu preciso de 12 funcionários e com a alteração eu vou precisar de 16 funcionários, vou repassar o custo de 4 funcionários adicionais para o preço da gasolina de modo a manter a margem de lucro original.

 

Não podemos ser ingênuos de achar que os agentes de mercado vão assumir este custo sacrificando seus lucros. Isso nunca aconteceu e não vai acontecer agora. E todos os agentes vão fazer isso. O posto, o supermercado, a farmácia, o shopping, a padaria, o plano de saúde. Não nos esqueçamos: o Estado também vai fazer isso. Afinal, o art. 39, § 3º, da Constituição estende aos servidores públicos, dentre outros direitos, o limite de jornada previsto no art. 7º, XIII.

 

 

Ou seja, sair da jornada 6x1 para a jornada 4x3 é como vender o popular e comprar o sedã. É uma escolha que vai cobrar o seu preço e, se estivermos dispostos a pagar este preço, está tudo certo.

 

Neste cenário, cabia à esquerda, tão defensora da ampliação de direitos, informar ao seu eleitorado que a mudança de jornada será ótima para o descanso, mas gerará um custo de vida adicional. Esse aumento do custo de vida adicional pode levar ao efeito colateral de que o trabalhador que mais deveria se beneficiar da medida tenha que conseguir outro emprego nos 3 dias de “descanso” para dar conta do seu custo de vida.

 

As pessoas têm o direito de saber disso para decidir.

 

Por outro lado, cabia à direita informar ao seu eleitorado que ela não é contra o descanso, mas entende que os agentes de mercado do país não vão dar conta de pagar por este adicional. E mesmo assim, caso as pessoas aceitem arcar com este custo, que ele seja uma escolha racional, informada e esclarecida, de tal modo que a opção por uma vida mais cara seja deliberada em prol de um benefício em contrapartida.

 

 

Com todo o respeito aos seus defensores, o argumento de que a redução da jornada vai quebrar a economia é falso. Não vai. A economia vai se ajustar à nova realidade. Algumas empresas vão quebrar, algumas atividades vão desaparecer e outras vão surgir, com modelos diversos. A economia sempre se ajusta à realidade.

 

O que vai acontecer é que o mercado vai precificar a nova realidade, colocar na prateleira e cada um vai pagar a sua fatia da fatura. Vai ser ruim? Não sei. Talvez não. Eu gosto de carros sedãs, mas só os pude ter há relativamente pouco tempo. Já tive carro popular e a maior parte da minha vida andei de ônibus mesmo. O ato de se transportar é o mesmo. Só o preço que é diferente.