Busto de Luiz Gama no Largo do Arouche, em São Paulo -  (crédito: Yolando Mallozzi - wikimedia commons)

Busto de Luiz Gama no Largo do Arouche, em São Paulo

crédito: Yolando Mallozzi - wikimedia commons

Nesta semana celebra-se o feriado do dia da consciência negra no Brasil. A data foi escolhida como homenagem a Zumbi dos Palmares, importante figura histórica que simbolizou o embate contra o regime escravocrata que por tantos anos teve vigência no Brasil.

 

Zumbi, atualmente, parece daqueles mitos gregos que todo mundo já ouviu falar e talvez não conheça direito. Assim como acontece com Tiradentes, é daquelas figuras que marcaram sua época, foram transformados em símbolo e perderam a sua humanidade. Por consequência, perderam seu contexto.

 

Hoje é só um feriado, sem maiores implicações pragmáticas. Este ano simboliza bem a sua representatividade: é um feriado na quarta. Não dá para ignorar, mas não tem muito como aproveitar.

 



 

É curioso como o Brasil maltrata a própria História e tem uma dificuldade imensa em cultivar os seus heróis nacionais, seus personagens históricos e rememorar seus feitos que mudaram o curso da História Nacional.

 

Mal conhecemos a História de Zumbi e pouco nela aprofundamos. Pior são outros personagens fundamentais nas ações que contribuíram com a queda deste doloroso processo de desumanização legalmente institucionalizada e que sequer são lembrados.

 


 
É surreal constatar que há pessoas com formação superior que não conhecem Luiz Gama, José do Patrocínio, Carolina Maria de Jesus, André Rebouças, Maria Firmina dos Reis, Joaquim Nabuco e tantos outros. Todas estas pessoas, ilustres desconhecidos e que sequer um feriado têm, foram muito relevantes em suas atuações individuais para disseminar a ideia de abolição da escravidão ou, pós escravidão, de combater o preconceito racial que remanesceu.

 



Na verdade, estas pessoas, fundamentais para a construção do país que temos hoje, não têm um feriado, quase não são nome de rua, não são retratadas no cinema, não aparecem em documentários da TV, não são representadas no teatro. Também não são lembradas na escola, não aparecem em museus, não são tema do Enem, não viram personagens da literatura, não são referenciadas em discursos oficiais. Nada.

 



Cada um à sua forma, estas pessoas excepcionais mudaram o direito. Seja Luiz Gama, escravo liberto, formado advogado e atuante em processos de libertação de outros escravos; seja Maria Firmina dos Reis, primeira romancista negra pela abolição; seja Joaquim Nabuco, aristocrata, parlamentar quando poucos poderiam ser, filho de donos de escravo e defensor da abolição no parlamento. Cada um deles de forma excepcional contribuiu para que saíssemos de onde estávamos para dar um passo civilizatório à frente.

 

Se há uma consciência negra hoje, é fruto de uma conjuntura muito complexa para ser reduzida a uma pessoa, um personagem ou uma data, cabendo sustentar esta História com a complexidade que nela se contém. Reviver e rememorar estes movimentos, contextos históricos, seus personagens, suas virtudes e suas vicissitudes, é a forma mais eficaz de construir uma consciência coletiva sobre um acordo ético (muito mais do que jurídico) sobre limites e metas de convivência social.

 

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Entretanto, este não parece ser um interesse direto. Talvez mais valha o debate raso de construções míticas (e obviamente irreais) de heróis e vilões, como se a História fosse um roteiro de quadrinhos. Neste roteiro falsamente colorido, quanto mais reducionista, simplista e maniqueísta, mais palatável.

 

E aí seguimos contabilizando casos isolados há 136 anos. Mas tem feriado...