
Consigo declarar a filiação, após a morte dos meus pais socioafetivos?
Embora não tendo sido legalmente adotada fui criada desde a infância como filha. Com a morte de meus pais é possível declarar minha filiação socioafetiva?
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A resposta à sua pergunta - se é possivel declarar filiação socioafetiva após a morte dos pais é sim, desde que seja comprovada a posse do estado de filiação, ou seja, o vínculo afetivo público, contínuo e duradouro na condição de filha.
No passado era muito comum a criação de filhos alheios como se fossem biológicos. Os pais “de criação” eram os responsáveis pela educação, saúde, cuidados de toda natureza, sem, no entanto, regularizar a adoção. Isso porque o processo legal de adoção sempre teve seus critérios, formalidades, especialmente no que se refere à destituição do poder familiar (antigo pátrio poder) dos pais biológicos.
Dessa forma, o tempo passava, essas crianças cresciam ligadas pelo amor familiar, vivenciando todas as questões inerentes àquela família, sendo publicamente conhecidas como filhas, sem, no entanto, ter o vínculo legal.
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Essa situação sempre gerou problemas quando era preciso provar a terceiros que pertencia efetivamente a família, ou mesmo quanto às questões de direitos hereditários. Além, é claro, dos danos psicológicos advindos da irregularidade do estado de filiação, principalmente com a existência de filhos biológicos desses pais.
Então é possível fazer judicialmente a declaração de paternidade e ou maternidade afetiva pós morte, fazendo constar a realidade fática no registro civil, sem necessariamente retirar os dados da família biológica. É a multiparentalidade.
Repercussão Geral
O tema 622 do Superior Tribunal Federal (STF) firmou tese com repercussão geral, ou seja, que submete os demais julgamentos dessa questão, estabelecendo que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.”
Vale destacar que a declaração da filiação socioafetiva garante ao filho socioafetivo os mesmos direitos hereditários dos demais.
Vejamos um julgado:
Relator(a): Des.(a) Roberto Apolinário de Castro
Data de Julgamento: 29/08/2024
Data da publicação da súmula: 30/08/2024
Ementa:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DECLARATÓRIA E DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE "POST MORTEM" - ESTADO DE FILIAÇÃO - INDÍCIOS PROBATÓRIOS - CABIMENTO - VÍNCULO SOCIOAFETIVO - POSSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA.
- De acordo com a tese firmada pelo c. Supremo Tribunal Federal, a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica (Tema nº 622, em repercussão geral).
- Nos termos orientados pelo c. Superior Tribunal de Justiça, assim como pelos Enunciados 103 e 253, do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a socioafetividade, ao lado dos vínculos registral e biológico, afigura-se como elemento capaz e apto ao reconhecimento da paternidade e/ou maternidade, desde que comprovada a posse de estado de filho.
- Hipótese em que se vislumbra mero inconformismo dos parentes herdeiros/sucessores da parte demandada com o resultado positivo do reconhecimento do vínculo socioafetivo, ausente prova desconstitutiva de tal direito (art. 373, II, do CPC), circunstância na qual se conclui adequada e impositiva a declaração de maternidade da falecida em relação ao autor e dos efeitos sucessórios e patrimoniais decorrentes da filiação formalizada, ora constantes e inferidos da r. sentença, porquanto mais próxima da realidade factual e probatória dos autos.
- Recurso não provido.
(Observação - Não colocamos o número do processo por respeito ao Segredo de Justiça)
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Assim sendo, de forma geral, aqueles que foram criados como filhos por pai ou mãe não biológico e podem provar essa relação afetiva pública, notória, contínua e duradoura têm o direito de pedir a declaração de filiação socioafetiva após a morte, sem prejuízo do registro de seus pais originários, já que esse pedido tecnicamente não se confunde com adoção.
Mas cada caso deve deve ser analisado de forma concreta e, dependendo de cada situação, a declaração poderá ser extrajudicial (em cartório), ou em juízo, mas precisa ser analisado caso a caso.
Rosane Ferreira é advogada especialista em Direito de Família dentre outros
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.