O termo GUETO foi originalmente utilizado para designar o gueto de Veneza, constituído em 1516, para segregar a população judaica da italiana (veneziana). No Holocausto, foram criados mais de mil guetos nazistas para segregar e aprisionar as populações judaicas da Europa. A tragédia dessa Segunda Guerra Mundial é do conhecimento de todos, mas o aprendizado, ao que tudo indica, de poucos. Hoje, mais do que nunca, vivemos em um mundo de guetos.
De que adiantam pronunciamentos de representantes de organismos voltados para questões humanitárias e de formadores de opinião? De manifestações sociais de civis lotando praças e ocupando espaços públicos relevantes? A apatia, a descrença e o desinteresse dos jovens com a política, as violências e as disparidades socioeconômicas persistentes, as segregações das mais diversas formas têm figurado um mundo impotente, redesenhado em guetos.
Gueto dos Refugiados 1: estimativas da Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) indicam que o mundo vive recorde de êxodos, segundo dados apurados até junho de 2023, com 110,3 milhões de pessoas deslocadas à força de seus países de origem, das quais (i) 36,4 milhões são refugiadas que fugiram dos seus países de origem devido a conflitos e perseguições violentas e (ii) 40%, crianças.
Gueto dos Refugiados 2: há anos que países da União Europeia (UE), bem como os Estados Unidos (EUA) mantêm guetos de refugiados, ou mesmo aprisionamentos, em um mundo em que só cresce o êxodo. Em outubro último, a UE acordou o Pacto de Migração e Asilo, mas, devido às restrições de dois países (Itália e Grécia), seu fechamento ficou para início de 2024. Em linhas gerais, o acordo “cotizará” os imigrantes e refugiados e terá mais flexibilidade para “enviá-los” de volta. Nada que contemple condições mais dignas e humanitárias, mas garante desoneração aos países desenvolvidos.
Gueto Religioso: como bem disse o Papa Francisco, “a ideologização do elemento religioso representa uma perversão da religiosidade”. Constrói-se, cada vez mais, a intolerância religiosa manifestada de forma violenta. A combinação danosa da ideologização, combinada à intolerância religiosa, aplica-se a todas as matizes e crenças espirituais, tendo, atualmente, o islamismo - religião de paz cuja maioria dos seus membros é pacífica – como um dos principais alvos. Islamofobia, por exemplo, tem produzido vastos prejuízos humanitários.
Gueto das Mulheres: as empresas têm se vestido de campanhas de inclusão; os parlamentos têm elaborado leis com cotas de gênero; a laureada ao Prêmio Nobel de Economia de 2023 é uma mulher economista, Claudia Goldin, cuja pesquisa histórica mostra a sub-representação e as desigualdades salariais em detrimento das mulheres, mesmo em países desenvolvidos.
Gueto da Intolerância LGBTQIA+: sobre esse, a intolerância não tem relação com o grau de desenvolvimento socioeconômico do país, pois está em todos os lugares e estratos. E as comunidades LGBTQIA+, embora venham ocupando, gradativamente, espaços de voz, vivem contínuo processo de discriminação. O que se vivencia é uma luta inglória recheada de preconceitos e violências.
Gueto Palestino: se a Faixa de Gaza já era, em sua essência, gueto palestino sem condições dignas de vida – uma prisão a céu aberto, como designada por tantos -, acabou de se transformar em campo de chacina do exército de Israel, transgredindo todas as regras básicas humanitárias.
Poderia discorrer sobre tantos outros guetos simbólicos recentes, originados nas guerras da Síria, do Afeganistão, do Iraque, da Ucrânia, da Armênia, na ditadura retomada em Myanmar, no crescimento do antissemitismo com ou sem Israel atacando Gaza – sim, o antissemitismo nunca deixou de existir, mas vem ganhando cada vez mais força -, na milícia da cidade do Rio de Janeiro, nas organizações criminosas que geram violência nas favelas e periferias do Brasil e em tantos locais pobres e violentos no mundo.
Poderia discorrer sobre o poder da indústria farmacêutica e do tabaco. Sim, essas duas, conjuntamente, grandes responsáveis pela dependência química e adoecimento dos jovens, com a proliferação dos opioides e dos cigarros eletrônicos, respectivamente. A lista é extensa, mas não poderia deixar de mencionar as pessoas com mais poder e capacidade de manipulação na atualidade: os CEOs das redes sociais. Em todas essas menções, encaixam-se e moldam-se, com requintes de crueldade, ganância, poder e frieza, os guetos da falência humana.