No primeiro domingo do ano, pelo calendário gregoriano, comemora-se a Epifania do Senhor. Trata-se, no Ocidente, de uma festa cristã em celebração à visita dos magos ao menino Jesus.
Momento ímpar de doação! Mesmo aquelas pessoas desprovidas de algum sentido cristão em suas vidas, habitualmente, iniciam suas reflexões de início do ano voltadas para o que desejam melhorar.
E quanto dessas reflexões e desejos se voltam para propósitos coletivos? No caso brasileiro, os dados
sobre filantropia nos mostram o tamanho do desafio da doação em nosso País.
De acordo com o documento intitulado “Incentivos fiscais para doação – caderno de debate”, produzido pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), embora o País conte com boa diversidade de incentivos, nas três esferas da Federação, o volume de doação ainda é pouco expressivo.
No âmbito federal, cujos valores são mais vultosos, o documento estima algo em torno de R$3 bilhões de recursos federais, anuais, destinados a projetos apoiados em forma de patrocínio empresarial.
Somente no âmbito federal, a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a Lei do Audiovisual respondem por cerca de 45% dos patrocínios federais totais.
Ainda temos a Lei de Incentivo ao Esporte; o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) e o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas), ambos da área de saúde; os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) e o Fundo Nacional do Idoso; e as doações diretas para entidades, por meio da Lei n o. 9.249/95 e da Lei n o. 13.204/2015.
Conforme a ABCR, o montante médio anual, embora venha crescendo, está bem aquém do que poderíamos estar gerindo e promovendo em termos de ganhos para a sociedade, tanto na cultura, no esporte e, mais ainda, na saúde.
O Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, é um bom exemplo de como um aumento na doação poderia impactar suas atividades e reverter em ganhos ainda maiores para a sociedade, em geral, e para as milhares de pessoas por ele assistidas, em particular.
Instituído em 1944, pela Fundação Benjamim Guimarães, o Hospital da Baleia inicia suas atividades voltadas para o cuidado a crianças com tuberculose.
Em 1950, dá início ao tratamento ortopédico de crianças com pé torto congênito; em 1977, lança seu primeiro curso de pós-graduação e, vinte e um anos depois, implanta seu programa de residência médica certificado pelo Ministério da Educação; em 1982, inaugura a oncologia para adultos, em 2003, a oncopediatria e, passados dez anos, a radioterapia; em 1991, inicia o tratamento de hemodiálise e, trinta anos mais tarde, inaugura o Centro de Nefrologia.
Em quase 80 anos de existência, o Baleia faz jus ao seu nome: é um gigante da filantropia! Nessas décadas, com baixa captação de recursos de doação e patrocínio e vivendo majoritariamente de reembolsos do Sistema Único de Saúde (SUS), expandiu sua atuação para 33 especialidades, com destaque para áreas ortopédica, oncológica, nefrológica, dermatológica, ensino e formação, dentre outras.
No seu último Relatório de Sustentabilidade, relativo ao ano de 2022, o Baleia realizou cerca de 126 mil consultas e atendimentos ambulatoriais, 16 mil internações, 15 mil cirurgias, 401 mil exames, 277 mil atendimentos, 50 mil sessões de hemodiálise e 32 mil sessões de hormonioterapia, quimioterapia e radioterapia.
De sua receita líquida total de 2022, somente 12% é oriunda de doações e patrocínios: do montante arrecadado com doações, 49% decorrem de emendas parlamentares; 20% de doações oriundas do troco de compras feitas por clientes em redes de farmácias e supermercados; e 18%, de campanhas ativas de telemarketing.
O Baleia é um gigante que sobrevive em águas rasas da filantropia; é exemplo vivo da necessidade de se trabalhar melhor a importância da doação em nosso País.
Só para se ter uma ideia de quão distantes as empresas brasileiras estão de poderem exercer seus papéis de patrocinadores e, com isso, gerarem externalidades em termos de impactos positivos sobre a economia e a saúde, o documento da ABCR estima que, “se as empresas optantes do lucro real e, portanto, habilitadas a patrocinarem projetos, aportassem, cumulativamente, 9% do imposto devido em
projetos de leis de incentivo”, teríamos o dobro de recursos disponíveis para instituições filantrópicas e produtoras culturais.
No caso das doações de pessoas físicas, o documento estima que as instituições filantrópicas e produtoras culturais poderiam estar recebendo, no mínimo, R$ 4 bilhões, enquanto as doações atuais estão na ordem de R$ 200 milhões. O brasileiro, de fato, não tem cultura de doação. Ao contrário, considera-se beneficiário de uma histórica reparação social.
Para agravar, debruça-se em seus legados coloniais de escândalos de corrupção e desconfia até mesmo daqueles que encaram o desafio da filantropia como propósito. Refiro-me aos “heroicos Baleias” espalhados pelo Brasil.
Na Epifania, os (reis) magos levam ao menino Jesus três elementos: ouro, incenso e mirra. Teologicamente, esses elementos estão associados à chegada do Deus encarnado e sua trajetória de vida e morte.
No entanto, cada elemento tem uma simbologia para os nossos propósitos: ao ouro, associa-se a busca pelo desapego e o despojamento material; ao incenso, o que precisamos melhorar espiritualmente; e à mirra, o sentido do amor, de sua direção para que cresça e floresça cada vez mais em nossas vidas.
Não à toa, a Epifania nos mostra que os reis magos, detentores de elementos preciosos para presentear o menino Jesus, chegaram até Ele com humildade e reverência, cientes de suas missões.
Que entendamos, cada dia mais, que a filantropia é um gesto de benevolência e amor; que a doação é um gesto de caridade; e que os governos, as empresas e a sociedade civil são a engrenagem fundamental para a preservação e a expansão de “tantos Baleias”.
Que em 2024 prevaleça a generosidade e a doação para que se tenha vida em abundância.