O Brasil é conhecido mundialmente como o país do carnaval; é nossa festa popular que mais mobiliza empresas, agentes culturais e milhões de foliões. No entanto, a falta de dados e de transparência da gestão pública nos impede de conhecermos o tamanho certo dessa conta, os encadeamentos promovidos no turismo, a expansão do trabalho informal e toda sorte de ações e estratégias que poderiam potencializar ainda mais essa maravilhosa alegoria à vida.
A cultura e o turismo são áreas que se entrelaçam e comungam, muitas das vezes, de caminhos, temas e estratégias que poderiam e deveriam ser desenhados conjuntamente. Isso não quer dizer que a cultura possa ser uma pasta dentro do turismo e vice-versa. Alias, sou da opinião que ambos devem ter seus ministérios, no âmbito federal, e suas secretarias, nas outras esferas – estadual e municipal.
Entre 2012 e 2022, os gastos com cultura no Brasil, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentaram drástica reconfiguração: o governo federal, que respondia por 23,5% dos gastos em 2012, chegou em 2022 com apenas 9,1%; em contrapartida, os municípios passaram de 45,5% para 59,2%, no mesmo período, enquanto a esfera estadual praticamente manteve-se estável.
A descentralização de algumas políticas culturais poderia ser uma justificativa parcial para a queda da participação do governo federal, porém, ao se examinar os dados dos gastos com cultura em relação aos gastos totais, as três esferas públicas tiveram redução em seus desembolsos com a cultura, destacando-se a federal, com queda de 70%. Nos estados e municípios, as quedas foram de 17% e 23%, respectivamente.
Comparativamente com saúde e educação, no mesmo período, houve aumento dos gastos relativos do orçamento federal com ambas as pastas: educação passou de 8,4% do gasto total do orçamento para 8,7%, e saúde, de 8,0% para 8,3%. Esse comportamento também foi verificado nas esferas estadual e municipal.
Outro agravante é a ausência de crescimento relativo de recursos de doação oriundos de renúncia do Imposto de Renda Pessoa Física, reforçando minha última coluna neste espaço, em que discorro sobre a baixa capacidade de doação dos brasileiros. Houve aumento das doações de pessoa física, em termos absolutos, porém, nada capaz de alterar sua fatia do bolo da renúncia fiscal.
Ainda conforme levantamento do IBGE, dentre as atividades culturais que mais se destacaram, encontra-se a produção de livros. Esse item cultural passou de 18,8% do benefício das renúncias fiscais, em 2012, para 40,6%, em 2022, competindo com a maior rubrica da pasta, o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Em um país com baixíssima capacidade de leitura e elevado analfabetismo funcional, o crescimento do destino de recursos para produção de livros é, no mínimo, intrigante.
Há, ainda, as disparidades regionais que apontam para uma enorme concentração da canalização dos incentivos por meio das renúncias fiscais: cerca de 78% das renúncias fiscais destinadas a projetos culturais são investidas em atividades culturais da região Sudeste.
Reconhecido por suas idiossincrasias culturais, o Nordeste combina turismo com marcantes festividades culturais e responde pelas festas carnavalescas mais tradicionais – o frevo em Olinda, a festa do Galo, em Recife, os trios elétricos em Salvador etc. A Região Nordeste responde por 26,9% da população brasileira, mas por apenas 6,8% dos recursos da cultura, perdendo, inclusive, para a região Sul.
A incapacidade de impulsionamento do Nordeste, rico no turismo e nas festas culturais – para além do carnaval, as festividades de Iemanjá, do Bumba-meu-boi, as festas juninas etc., e sua culinária bem peculiar –, é o retrato da incapacidade de articulação, gestão, planejamento e visão dos nossos gestores públicos.
O carnaval, uma festa eminentemente promovida pelo povo, por iniciativas de grupos que se reúnem com ou sem recurso e proporcionam a mais linda e alegre festa alegórica do país, é o melhor exemplo da inépcia dos governos em entenderem e fazerem melhor uso da riqueza cultural e dos benefícios econômicos. Só o povo salva o carnaval, enquanto os governos insistem em exibir, nas avenidas, nos becos e nos salões, sua caricatura alegórica de gestão pública.
Especificamente neste ano, em que a normalização das aglomerações sugere que as festividades carnavalescas serão ainda maiores, é evidente o despreparo dos gestores, em todos os níveis, para lidarem com uma festa cuja cadeia produtiva envolve diversos setores da economia, com destaque para alimentação, hospedagem, comércio de vestuário, hotelaria, transporte e bebidas, para listar os mais proeminentes.
Que o carnaval do axé, do samba, do frevo, do forró, do funk, da alegria, da liberdade de manifestação dos corpos, do encontro dos blocos, das canções com pautas identitárias ou com manifestações políticas e sociais seja a alegoria perfeita de um povo que, mesmo em meio ao amadorismo público, vai para a rua mostrar sua criatividade e seu profissionalismo cultural.