Duas personalidades iranianas, reconhecidas internacionalmente, cruzam-se na busca pelos direitos humanos no Irã: o cineasta Mohammad Rasoulof, que coleciona vários prêmios internacionais, dentre eles, dois “Um certo olhar”, em Cannes, e um “Urso de Ouro”, em Berlim; e a premiada ativista pelos direitos humanos, Narges Mohammadi, laureada com o Nobel da Paz 2023. Ambos se tornaram prisioneiros condenados pelo violento regime do Irã.

 

 

Em 2020, o filme iraniano “Não há mal algum”, produzido às escondidas do governo iraniano, custou a liberdade do diretor, Mohammad Rasoulof. O filme retrata quatro histórias distintas em que a pena de morte é o pano de fundo. Vai desde a maneira banal como um funcionário aperta um botão para enforcamento até a agonia de quem se vê obrigado a cumprir regras do regime iraniano e executar uma pessoa condenada, muitas vezes, de forma arbitrária.

 

O livro “Torturas brancas” - prepare-se, sobretudo, se sofrer de claustrofobia, como eu, para conseguir lê-lo -, de autoria de Narges Mohamadi, é um relato das injustas e inconcebíveis prisões sofridas pela autora e por tantas outras mulheres, em virtude de sua corajosa luta pelos direitos humanos no Irã. A autora transcreve uma série de entrevistas com mulheres detidas submetidas às chamadas torturas brancas.

 



 

Segundo os diversos relatos do livro, as presas eram confinadas em celas minúsculas, sem som, sem ventilação e sem luz ou com uma luz branca acessa ininterruptamente. Uma estrutura feita para provocar graves efeitos psicológicos e biológicos, uma vez que as detentas ficavam completamente isoladas e só saiam para intermináveis depoimentos com elevados requintes de tortura psicológica ou mesmo físicas.

 

Destaco duas histórias extraídas do livro de Mohammadi: a da cidadã iraniana-britânica, Nazanin Zaghari-Ratcliffe, presa no aeroporto de Teerã quando voltava para seu país de residência com sua filha de quase 2 anos – a criança ainda era amamentada pela mãe. A outra é de Mahvash Shahriari, presa no dia do casamento de sua filha. Ela escreveu poemas que eram secretamente repassados aos familiares e que acabaram tornando-se um premiado livro - Prison Poems.

 

O elo entre o filme de Rasoulof e o livro de Mohamadi é claro: o violento e autoritário regime do Irã que condena qualquer ato de liberdade de expressão e de direitos. Em setembro de 2022, eclodiu, no Irã, o movimento “Mulheres, Vida, Liberdade”, desencadeado pela morte por violência física de Jina Mahsa Amini, de 22 anos, levada sob custódia pela polícia de Teerã por ser acusada pelo uso indevido do hijab – véu que cobre as mulheres em locais públicos.

 

Dois meses após os protestos, a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre o Irã apresentou ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) indícios de crimes contra a humanidade cometidos na repressão ao movimento “Mulheres, Vida, Liberdade”. A partir daí, foi determinada a realização de um relatório que apurasse os fatos naquele país.

 

O Relatório de 2024 da Human Rights Watch destaca que as forças de segurança reprimiram todo e qualquer protesto que eclodia no país, em setembro de 2022, promovendo assassinatos, torturas, violência sexual, desaparecimento de pessoas, inclusive de mulheres e de crianças. O Irã intensificou as leis de uso obrigatório do hijab por meio da aprovação do projeto de lei sobre o hijab e a castidade, com mais 70 sanções e aumento da pena de prisão em 10 anos.

 

De acordo com o Relatório da Anistia Internacional 2024, o Irã condenou e/ou executou, no mínimo, 853 pessoas por pena de morte, em 2023, ficando atrás apenas da China no comparativo global. O Irã apresentou um aumento de 48% no número de execuções por pena de morte, em 2023, comparativamente ao ano anterior (576 execuções), sendo que, desse total, 545 (64%) foram consideradas ilegais, como crimes relacionados a drogas, roubo ou espionagem.

 

A inaceitável pena de morte contraria, no mínimo, três artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a constar: toda pessoa tem direito à vida e a viver em liberdade e segurança (artigo 3o); toda pessoa tem direito de não ser submetida à tortura (artigo 5o); e toda pessoa tem direito a um julgamento justo (artigo 10).

 

Ante essa “aberração letal” de difícil nomeação, há diversas frentes de trabalhos para combatê-la. Na semana passada, por exemplo, o Papa Francisco comentou sobre o lançamento do livro “Meu compromisso ao lado dos condenados”, de autoria de Dale Recinella, ex-advogado americano que acompanha espiritualmente pessoas condenadas à morte, em penitenciárias da Flórida.

 

Para o Papa Francisco, “as execuções capitais alimentam um sentimento de vingança que se transforma em um veneno perigoso para o corpo das nossas sociedades civis.” Além da pena de morte, as torturas, as prisões ilegais e a ausência de garantias dos direitos humanos são a tônica de regimes autoritários e misóginos, como o iraniano. Mandela tornou-se Nobel da Paz por combater a desumanidade, mesmo tendo sido submetido à injusta prisão por 27 anos.

 

 

O mundo precisa de líderes verdadeiramente humanos, e não de manipuladores que incitam, em sua maioria, o ódio, a guerra, a “farsa proteção do seu povo” enquanto violam seus direitos. Nelson Mandela atuou por décadas como advogado em defesa dos direitos humanos. Um homem que tinha como missão a paz e a união dos povos, um ser humano integralista. Figuras como Mandela são raras; funcionam como esperança e acalento aos nossos corações.

 

Finalizo com falas esparsas do admirável líder (humanitário), Pepe Mujica, extraídas da entrevista ao jornal The New York Times, na última sexta-feira: “Eu acho que a humanidade, como ela está indo, está condenada. Existe apenas uma vida e ela termina. Você tem que dar significado a ela. Lutar pela felicidade, não apenas por riqueza. (...) Há muitos loucos com armas atômicas. Muito fanatismo. Deveríamos estar construindo moinhos de vento (...) gastamos em armas”.

 

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