O economista Daron Acemoglu, um dos colaboradores do Project Syndicate, escreveu um artigo, em agosto de 2021, naquela plataforma, explicando o fracasso da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Juntamente com Simon Johnson e James A. Robinson, Acemoglu foi laureado com o Nobel de Economia em momento aguçadamente conturbado no contexto geopolítico de manutenção das clássicas estratégias de domínio das grandes nações.
Os três laureados têm uma trajetória de estudos que busca compreender a relação entre as instituições e a prosperidade das nações, à medida que a estrutura das instituições de uma nação corrobora (ou não) para sua maior (ou menor) prosperidade. Os estudos têm vasta perspectiva histórica e distinguem as nações desde suas formações “coloniais”, que, em última instância, tornam-se determinantes para suas trajetórias.
O que os economistas têm evidenciado de forma quantitativa, com uso de modelos econométricos, as áreas da história e da ciência política discutem com narrativas qualitativas e enfoques geopolíticos: a forma de apropriação dos Estados mais fracos pelos mais fortes que, de antemão e deliberadamente, desenham e constroem estruturas institucionais extrativas – entendidas como perpetuadoras das diferenças sociais dentro das sociedades e, por conseguinte, entre as nações.
Trazendo a ideia subjacente aos estudos dos laureados para os dias de hoje, podemos dizer que vivemos reproduzindo padrões antigos, cada dia com mais violência no sentido latu - exatamente por suas contínuas repetições e ausências de reparações estruturadoras -, guerras civis, invasões, deslocamentos em busca de asilos e refúgios, em meio ao recrudescimento de modelos políticos ditatoriais.
Acemoglu e Robinson são autores do livro intitulado “Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza”, no qual discorrem sobre a história da formação institucional das nações e indicam, no mínimo, dois aspectos determinantes da diferença nas suas prosperidades: a forma de colonização – como, por exemplo, das colônias que viveram sob o domínio da Inglaterra – e a estrutura subjacente de poder de suas instituições – perpetuando as disparidades.
Por falar em dominação inglesa, cito aqui dois casos: a Palestina, entre 1918 e 1948, e a África do Sul, entre 1948 e 1974. Em ambos, porém por motivos distintos, haja vista seus contextos históricos, econômicos e culturais, prevaleceram a instabilidade socioeconômica e política: a África do Sul viveu, por décadas, o apartheid, e o povo palestino vive, desde os primórdios da invasão inglesa, até os dias de hoje, a ausência de um Estado constituído e reconhecido.
A bem da verdade é que o fim do apartheid não representou a prosperidade da África do Sul, nem mesmo o fim do racismo estrutural que ainda prevalece explicitamente em acessos a bens e serviços, por exemplo. A ausência de estruturas institucionais capazes de legitimar e reestruturar a sociedade palestina propiciou a constituição do grupo extremista Hamas. E hoje, em meio aos escombros do poder, o mundo assiste ao genocídio do povo palestino remanescente na faixa de Gaza.
Na Ucrânia, os autores mostram-se céticos ao afirmarem que, se as estruturas pós-guerra com a Rússia forem reconstruídas de cima para baixo, os mesmos erros incorridos no pós-Guerra Fria serão repetidos, e o país continuará mergulhado em um modelo de instituições cleptocráticas que criou a cultura naturalizada de corrupção e a descrença da sociedade civil em suas instituições.
Como dito logo no início desta coluna, o Afeganistão e a saída dos Estados Unidos daquele país, em 2021, deixou a sociedade afegã à mercê de uma estrutura reconstruída de cima para baixo e cerceada por um grupo violento e corrupto - os talibãs. Constituiu-se, mais uma vez, uma prova da “autoridade desautorizada” das nações mais ricas sobre as demais e da perpetuação da ausência de uma institucionalização capaz de promover o bem-estar social para todos.
A história dos países latino-americanos inclui-se nesse conjunto de colonizações inspiradas no que os laureados classificam de modelo de “instituições extrativas” introduzido pelas nações dominadoras, de cima para baixo, que permitiu a perpetuação de privilégios e disparidades sociais enraizados no processo colonial. Romper com tais estruturas ainda parece ser um sonho do continente latino-americano.
Mergulhado na cleptocracia, na descrença da sociedade civil e no enfraquecimento de suas frágeis democracias, os países latino-americanos tornam-se peças ainda mais vulneráveis nesse quebra-cabeça geopolítico, cuja ascensão e domínio chinês têm deixado as grandes nações do Ocidente perdidas em termos de estratégias de recuperação de sua hegemonia. O Brasil, nesse xadrez, perde a cada dia que passa, seus “trunfos climáticos” enquanto é devorado pela autofagia cleptocrática.
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Entender que a raiz da constituição dos Estados determina sua condição de prosperidade passa também por compreender suas formações de governo. “Como as democracias morrem”, best-seller de 2018 dos cientistas políticos Levitsky e Ziblatt, comentado neste espaço há algum tempo, enfatiza o perigo que os governos democratas têm vivido com o crescimento de representantes autoritários e antidemocráticos.
Em certo momento, o livro narra o declínio do poder dos partidos políticos como “guardiões” da democracia, associando tal queda à explosão das mídias e redes sociais – e a elas o crescimento das fake news –, bem como à falha dos próprios partidos em atender pautas e promessas levantadas há décadas. A descrença nas garantias sociais tem levado à manipulação social, enquanto os “guardiões” encontram-se perdidos em meio à cleptocracia que ajudaram a construir.