Mineira loira vai tomar posse como Juíza em vagas reservadas para negros e negras -  (crédito: Arquivo Pessoal)

Mineira loira vai tomar posse como Juíza em vagas reservadas para negros e negras

crédito: Arquivo Pessoal

A mineira Thaís Maia Silva de pele branca, cabelo loiro e olhos claros é aprovada em concurso para juíza na reserva de vagas para candidatos negros em Pernambuco.

No próximo dia 7 de dezembro, irá tomar posse como Juíza, no estado de Pernambuco, pelo sistema de reserva de vagas para pessoas negras, a mineira Thaís Maia Silva. Ela é graduada e mestranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Até aí tudo bem, mas o fato de a aprovada no concurso para juíza em Pernambuco já ter sido reprovada duas vezes por não ter sido considerada negra, uma pela banca de heteroidentificação do concurso do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) em Minas Gerais e outra em um concurso para juiz no estado do Maranhão, levanta a suspeita de que houve um equívoco por parte da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que administrou o processo seletivo. Essa não é a primeira vez que a FGV está envolvida com heteroidentificação questionável. Exemplo disso é que, recentemente, Noemi da Silva Araújo, aprovada no concurso da Corte como candidata negra de analista judiciário, teve uma grande repercussão midiática por suas características físicas divergirem dos fenótipos das pessoas negras.

Lista que mostra nome de Thaís como indeferido na banca de heteroidentificação do CREA-MG

Resultado da banca de heteroidentificação do CREA-MG

CREA-MG

Caso esse equívoco da heteroidentificação da FGV seja comprovado, o mesmo viola o direito de mais de 56% da população brasileira, já que a candidata que se autodeclarou negra e foi aprovada pela heteroidentificação (processo que verifica se a declaração racial condiz com a realidade) possui a pele clara, os cabelos loiros e lisos e os olhos claros. Muito diferente do que é ser considerado negro ou negra socialmente no Brasil.

Nesse concurso para ocupar a vaga como juiz ou juíza, houve 1427 inscrições de pessoas negras, sendo que 239 foram aprovadas para segunda fase, e apenas quatro foram aprovadas no final. Três homens e Thaís Maia Silva.

Lista com o nome de Thaís no resultado definitivo da heteroidentificação do processo seletivo

Resultado definitivo da heteroidentificação

Poder Judiciário de Pernambuco

É sempre necessário relembrar que a política de promoção à igualdade racial foi implementada para diminuir a desigualdade de acessos aos direitos dos cidadãos e cidadãs devido à sua origem racial. Vale salientar que, no caso do Brasil, se trata de um país que possui pouco mais de quinhentos anos e que, durante quase quatro séculos, fez uso de mão de obra escravizada.

Quem escravizou? O europeu. Quem foram escravizados? A população africana negra, seus descendentes e os povos tradicionais brasileiros, os indígenas. Dito isso, é fundamental contextualizar que, mesmo após a escravidão ter sido extinta no Brasil, a população negra, ou seja, as pessoas que possuem fenótipos, características corpóreas parecidas com a dos africanos negros, continuaram em situações de subalternidade econômica, educacional, de saúde e de segurança. Isso não sou eu que estou falando, basta acessar os dados do Mapa da Violência, do IBGE pela amostra de domicílio ou do SUS e verificar quem morre mais de doenças que possuem tratamento ou por falta de acesso ao sistema de saúde. Entra ano e sai ano, a população negra continua na base da pirâmide financeira. É a parcela brasileira que mais evade do ensino fundamental e médio, que está submetida à exploração do trabalho infantil e que menos ingressa nas universidades. Os adolescentes e jovens negros são os que mais morrem vítimas de homicídio. As mulheres negras, além de terem o mais baixo salário no mercado de trabalho, são as maiores vítimas do feminicídio e da violência obstétrica na hora do parto.

Aquele ditado popular que diz “branca para casar, mulata para furnicar e preta para trabalhar” ilustra muito bem a situação em que a mulher negra se encontra neste país. A maioria das mulheres que são chefes de família e principais provedoras de renda, encarando a dura missão de serem mães solo, é negra. A última parcela profissional a ter o direito trabalhista reconhecido legalmente foi a das empregadas domésticas que, em sua maioria, também são negras. Serviços que as mulheres negras já faziam no período da escravidão, que mudou de nome e continuam fazendo até os dias atuais.

A política de reserva de vagas tem proporcionado a pessoas negras o ingresso no ensino superior, nas pós-graduações e como servidores públicos, diminuindo a desproporção de acesso ao sistema de ensino e de trabalho. A maior parte das instituições reserva 30% das vagas para as pessoas negras, mesmo essa parcela somando 56% da população. Os outros 70% das vagas continuam sendo ocupadas por pessoas brancas. Pesquisas comprovam que o desempenho de pessoas negras ao ingressarem nas instituições são satisfatórios e colabora para um ambiente mais diverso, assim como é a população brasileira.

O maior desafio dessa política de promoção da igualdade racial é a fiscalização e o monitoramento para que as vagas não sejam ocupadas por pessoas que não possuem esse direito, seja por falta de informação ou seja por intenção de fraudar o sistema e prejudicar a parcela de candidatos ao qual o sistema de dirige.

Eu entrei em contato com as candidata via WhatsApp e fiz o seguinte questionamento:

“Eu recebi uma informação de que você foi aprovada como juíza na reserva de vagas para pessoas negras lá em Pernambuco.

Como você possui a pele clara, o cabelo claro e olhos verdes, algumas pessoas acreditam ter havido um equívoco na heteroidentificação. Estou entrando em contato para saber a sua versão dos fatos.”

A candidata me retornou poucas horas depois com a seguinte resposta:

“Todos os procedimentos e fases exigidas foram cumpridas pela banca de heteroidentificação e pelos organizadores do concurso.

A candidata, que é parda, possui cabelos enrolados (e com luzes) e família negra, foi igualmente reconhecida como tal por unanimidade da banca de heteroidentificação. Além disso, a candidata não possui olhos verdes.

Somado a isso, conta com outras 4 aprovações em bancas de heteroidentificação nessa mesma condição. O concurso transcorreu de forma transparente, sendo público o acesso a todas as informações. Mais informações podem ser obtidas com a assessoria jurídica.”

Captura de tela de uma postagem no instagram de Thaís. Ela e uma outra mulher parda de cabelos castanho claro e liso sorriem lado a lado

Foto publicada nas redes sociais de Thaís Maia Silva

Arquivo Pessoal

Tentei contactar a administradora de concurso FGV para ouvir a versão deles dos fatos e, até o fechamento desta coluna, não obtive êxito. Os telefones da administradora disponíveis no site não atendem. Assim que retornarem, essa matéria será editada e os posicionamentos da mesma terão espaço nesta coluna.