Hoje é 1 de fevereiro de 2024. Neste mesmo dia, em 1935, nasceu na cidade de Belo Horizonte uma personagem expressiva na história política do Brasil: Lélia Gonzalez. Que, se não tivesse falecido em 1994, hoje estaria completando 89 anos de idade.
Lélia era a penúltima filha de uma família formada por 18 filhos. Iniciou sua trajetória profissional nos ambientes forjados para as mulheres negras: no trabalho doméstico como babá e empregada. Mas logo deu seu jeito e se graduou em história e em filosofia. Posteriormente, fez mestrado em comunicação social e se tornou doutora em antropologia. Se gabaritou fora e dentro da universidade para ser um grande quadro dos movimentos sociais no combate às múltiplas formas de racismo e de machismo presentes no Brasil e no mundo.
Lélia Gonzalez é uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e do Movimento de Mulheres Negras, além de ser uma feminista precursora. Amiga de grandes intelectuais e militantes como Angela Davis, Luíza Bairros, Beatriz Nascimento e Abdias do Nascimento, disponibilizou sua contribuição epistemológica que, ainda hoje, é fundamental para entendermos como se estruturam as opressões contra mulheres e negros.
Muito antes do conceito/metodologia “interseccionalidade” ter sido elaborado, Lélia já expunha a reflexão sobre a tríplice discriminação da mulher negra, já falava como é ser concomitantemente negra em uma sociedade racista, pobre numa sociedade capitalista e mulher numa sociedade machista. Ela conseguiu elencar situações de violações de direitos e a forma desumana que grande parcela da sociedade era – e ouso dizer que ainda é – submetida.
Quem possui acesso aos seus escritos, percebe que ela trata de assuntos densos e necessários de uma forma bem acessível às pessoas que têm o intuito de compreender como se dão as relações no Brasil. Ela falou de diversas questões que permeiam o cotidiano das religiões de matrizes África, o carnaval, o mito da democracia racial, as relações do trabalho, até do português ela falou. Aliás, português não. Para ela é “pretoguês”.
Suas reflexões, ainda hoje, pautam os movimentos políticos, sociais, partidários e acadêmicos. De forma pessoal, o pensamento de Lélia que mais me contempla é uma frase bem pequena, mas que se desdobra em inúmeras reflexões: “a emoção também é episteme”, a emoção também é conhecimento. Nessa simples frase, Lélia sustenta que as mulheres negras possuem o direito de se emocionarem diante das tantas situações que se deparam na vida. Tudo isso porque mulheres negras, que reivindicam seus direitos e denunciam as violências às quais são submetidas, são taxadas de forma pejorativa como emocionadas. Uma conotação que busca separar emoção da razão e propor que mulheres negras não possuem os pré requisitos para ocuparem determinados espaços porque demonstram suas emoções, porque não são resignadas e não aceitam as injustiças propostas historicamente.
Essa frase mostra quanto o racismo atrelado ao machismo nos violenta quando nos vemos tomadas por um sentimento tão comum a todos os humanos, que é a emoção. Uma regra posta historicamente que tem como único intuito retirar a capacidade de sentir das pessoas negras. Mas Lélia, com toda a sua sagacidade, através do pensamento crítico, nos oferece de bandeja uma resposta que também é um posicionamento político para esse argumento que busca, ainda hoje, nos silenciar.
Lélia Gonzalez, assim como tantas de nossas mais velhas, é o exemplo de que as lutas contra o racismo e contra o machismo não são recentes, não são uma pauta nova, como muitas pessoas insistem em argumentar. É uma luta antiga, com muitos e muitas intelectuais e militantes que produziram conhecimentos publicados, ou não, por grandes editoras. Lélia, que nasceu em 1935, já estava nessa luta, portanto é fundamental que não sejamos cúmplices do epistemicídio, concordando que é uma luta recente. As políticas públicas de promoção da igualdade racial são resultados dessa luta, as epistemologias disponíveis também.
Nesse primeiro dia de fevereiro, vamos celebrar essa nossa mais velha, lendo seus textos, pesquisando sua trajetória e nos inspirando em suas atitudes nada resignadas.
Salve a memória, a força e o conhecimento de Lélia Gonzalez!