Lá em 2015, o então estudante universitário Pedro Henrique Afonso, que na época tinha 24 anos de idade, foi conduzido até uma delegacia acusado de roubar o próprio carro. Tudo isso porque ele é um homem negro e os agentes de segurança, ao vê-lo se aproximar do carro que estava no estacionamento da Universidade Estadual de Minas Gerais, em BH, deduziram que aquele veículo não poderia ser dele. Sem ouvi-lo, fizeram uma abordagem truculenta e, em meio a ofensas, o levaram para a delegacia e, só lá, o jovem conseguiu mostrar os documentos do carro e provar que era sua propriedade.
De lá pra cá, passei a me atentar para inúmeros casos em que homens negros são detidos, e até condenados, mesmo sendo inocentes. Alguns casos ganham visibilidade midiática, como os casos do Pedro Henrique lá atrás e, recentemente, o do Angelo Gustavo Pereira, que ficou preso por 363 dias sob a acusação de roubo de veículo no estado do Rio de Janeiro.
Somente após uma ação de Revisão Criminal foi reconhecida nulidades no processo. Foi destacado que, na ocasião do crime, Angelo estava em precário estado de saúde após uma cirurgia. Testemunhas confirmaram sua condição e a vítima relatou ter reconhecido Angelo por meio de uma foto de rede social, que nunca foi incluída no inquérito policial. Agora, em 2024, o estado do Rio de Janeiro foi condenado a indenizar Angelo Gustavo em 300 mil reais e sua mãe em 100 mil reais pela prisão injusta.
Como podemos ver no primeiro caso, o erro se deu na abordagem policial e, no segundo, pelo sistema de justiça. Ambos os casos poderiam ser classificados como erro humano, mas os problemas que os homens negros enfrentam como elemento suspeitos padrão não param por aí. Além de terem que lidar cotidianamente com o racismo sistêmico e institucional, chega a tecnologia para piorar a situação.
O personal trainer João Antônio Trindade Bastos, de 23 anos, passou por um constrangimento diante de milhares de pessoas na decisão do Campeonato Sergipano de Futebol. Agentes de segurança do estado o abordaram e o algemaram porque o sistema de reconhecimento facial indicou que ele poderia ser um criminoso. E, novamente, ao chegar na delegacia foi constatado o erro.
Nos casos parecidos com o do João, as instituições tendem a responsabilizar o “sistema", como se não fosse um erro humano e que, sim, os jovens negros vão ter que estar à mercê dessa ferramenta que está sendo utilizada para oprimir essa parcela da população brasileira. E é essa a importância de discutir o racismo algorítmico que vem provando ter sido sistematizado para continuar hierarquizando as relações. Um debate que, a princípio, é taxado como não relevante porque parece estar restrito à visibilidade nas redes sociais, ampliação de público, seguidores, likes e por aí vai. Mas é muito mais que isso.
Para os algoritmos, o negro já nasceu sem engajamento e, o pior, ele também já nasceu culpado. Tudo isso porque os algoritmos, assim como o sistema de justiça, o estado e os agentes de segurança não são neutros. Priorizam narrativas dominantes que perpetuam a supremacia branca e não cumprem o papel de democratização focados no interesse público e na justiça social. O perfilamento racial segue firme se atualizando do analógico para o virtual. E a máxima de quem não deve, não teme, cai por terra quando se é homem negro no Brasil.