No último domingo veio a público o conteúdo de uma mulher branca chamada Ana Paula Minerato que dizia assim: "Empregada do cabelo duro. Você gosta de cabelo duro? Não sabia que você gostava de mina com cabelo duro. Você gosta de mina com cabelo duro? Cabelo duro você gosta? Você gosta de mina de cabelo duro, de neguinha? Você gosta de neguinha? Porque isso aí é neguinha, né. Alguém ali o pai ou a mãe veio da África".

 



 

Esse áudio a Ana Paula Minerato enviou para o ex-namorado quando desconfiou que o mesmo poderia estar se relacionando com uma mulher negra. Até a repercussão midiática desse episódio eu desconhecia a existência dessa pessoa por isso e fui pesquisar para saber de quem se tratava. E pelo que apurei a mulher que hoje tem 33 anos de idade ganhou notoriedade sendo “panicat”, ou seja assistente de palco no programa Pânico, entre os anos de 2011 e 2014. Posteriormente integrou o elenco de participantes da nona edição do programa "A Fazenda" na TV Record e posou nua para a revista Sexy.

 

Quem um dia foi neguinha como eu também fui, cresceu e se tornou na marra uma negona sabe quantas Ana Paulas Mineratos tiveram que enfrentar cotidianamente em suas vidas. Racistas como ela não são exceções em nossas trajetórias, principalmente quando propomos bancar o direcionamento de nossas vidas e sair do lugar forjado socialmente para mulheres que possuem a pele preta e o cabelo crespo. Esse episódio horrível nos possibilita compreender com um exemplo prático como esse perfil de pessoas querem tirar da gente tudo, inclusive o direito de sermos amadas.

 

 

Talvez você que está me lendo aqui se recorde de quando a jornalista Maju Coutinho foi escalada para apresentar o quadro de meteorologia na TV Globo. Em seguida assistimos ela ser atacada nas redes sociais por que na visão de alguns racistas ela tinha o cabelo crespo de mais, era preta demais para ocupar aquele espaço no telejornalismo brasileiro. O racismo dita onde podemos ou não trabalhar, se somos ou não bonitas, se podemos ou não sermos amadas.

 

Eu poderia utilizar o meu conhecimento sobre as relações de gênero para argumentar em prol de minimizar a fala de Minerato. Poderia cair facilmente em meia dúzia de desculpas esfarrapadas e nas lágrimas de crocodilo que ela utilizou para justificar o crime que ela cometeu. Até porque racismo não é uma mera ofensa depreciativa e sim um crime previsto em lei no Brasil. Mas eu não vou cair nessa porque eu duvido que ela perguntaria para o ex-dela: "você gosta de branquinha? ela deve ter algum ascendente europeu." Caso o mesmo engatasse um relacionamento com uma mulher branca assim como ela.

 

 

Além do ciúme explicito, questão que não irei tratar aqui porque não me diz respeito. A fala hierarquiza as relações, o sentimento de superioridade de uma mulher branca que se acha mais qualificada, mais bonita, mais interessante para ser amada em razão da sua brancura e ascendência do que uma mulher negra. Esse é o privilégio branco que a gente tanto fala e muitas pessoas insistem em não querer ver. Mas dessa vez é possível escutar. Agora imagina o quão bélico é para uma mulher negra conviver no mesmo espaço que a Minerato e tantas outras mulheres brancas que agem como ela. Imagina como é ser preta do cabelo crespo e estar submetido profissionalmente aos mandos e desmandos de quem te ver e te trata como cabelo duro, neguinha e descendente de africanos da forma pejorativa como ela se expressa. Imaginou?

 

 

Então muitas de nós não imaginamos, vivemos isso na prática em nossas vidas profissionais, cruzamos com elas também em outras relações sociais. Tanto é que a atitude criminosa de Minerato após registrada e publicizada resultou no desligamento da mesma da posição de musa da Escola de Samba Gaviões da Fiel e na demissão da Rádio Band FM, onde ela apresentava um programa diário desde 2018. Essas racistas estão nos setores de Recursos Humanos das empresas como gestoras, nos barracões de escolas de samba como musas, a frente de programas de rádio, tv, dirigindo o carro da frente e quando possuem o poder nos excluem dos espaços que também são nossos e quando se veem impotente grita dentre outras coisas: "você gosta de neguinha?”

 

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Muitas de nós já compreendemos que nosso cabelo crespo, nossa pele preta, nossos traços fenotípicos não nos desqualificam para acessar espaços e sim posicionamentos racistas como a de Minerato que fica revoltada com a possibilidade de uma neguinha ser gostada. Não é mesmo?

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