O mundo não terá nenhuma empatia com você. Este é um ensinamento que deveria constar em todo quarto de bebê. Longe de ser um pessimismo é, na verdade, uma tradução da realidade daqueles que viveram um pouco mais. Só gente fraca precisa ser empática.
No reino da autoajuda, da neurociência, da psicologia positiva e das metodologias ativas tudo que é realista é tido como mal agouro. Paciência. Isso deve explicar a fragilidade dos jovens da Geração Z e o excesso de ansiolíticos, antidepressivos, estabilizadores de humor e outras anestesias que eles andam tomando por aí.
Falta uma boa dose de realidade para esse pessoal. Aquela que desce seca, sem tira gosto, como cachaça barata após um dia de estrada de terra. Meu tio Antônio, que Deus o tenha, cumpria bem esse papel. Era o profeta realista da vida bem vivida. Certo dia, minha prima, o interpelou: Ti-Tonho... hoje estou me sentindo pra baixo, solitária, esquisita... o que será que eu tenho? Ele prontamente respondeu: - razão, uai!
Com ele, aprendi que a ironia pode salvar vidas. E é isso que falta nas escolas, nas rodas de amigos, nas reuniões, em nosso dia a dia. Perdemos a capacidade de contar piadas, atrofiamos nosso sarcasmo em prol de um higienismo linguístico e político que tenta não ferir ninguém, por mais que isso seja mentiroso e ilusório.
Com isso, criamos a ilusão de que passaremos ilesos pela vida. Alto lá! Ela sempre estará preparada para nos ferir, nos desestabilizar, fazer piada com nosso jeito de ser. Por mais que sejamos vegetarianos, bebamos dois litros de água por dia, façamos yoga e tenhamos uma dieta fundamentadas em grãos indianos. O sofrer e inevitável. Melhor é encarar isso como fato consumado. Afinal, ao contrário das outras espécies, o ser humano é o único animal que pode se ferrar com dignidade.
Chegamos em um tempo pobre, onde a própria ironia é vista como crime. Não há mais lugar para Ti-Tonhos. Ao contrário, surgem influencers que convocam maratonas após o horário de trabalho, redes que incentivam jovens ao autoextermínio, lacração como forma de publicização do ego e gente prometendo riqueza com três cliques. Não é à toa que caímos em tantos golpes. É assim desde os vendedores de água magnetizada, quando minha mãe achava que naquela garrafinha ia encontrar a cura de seu reumatismo. Hoje, os vendedores de ilusão estão mais profissionais. Usam filtros no Instagram, se valem de referências bibliográficas do Vale do Silício, encharcando os grupos de WhatsApp e as páginas de “desenvolvimento pessoal”.
Se no meio de uma reunião, ao final de uma aula, após algum encontro o sujeito proferir o código “gratidão”, saia imediatamente desse lugar. Do contrário, você correrá o risco de se contaminar com a miopia daqueles que acham que o mundo é uma máquina programada para satisfazer todos os desejos. Essa gente é tão idiota que age como se o universo não existisse antes de você nascer. Pobre Cosmo, tendo que se adequar a mais de oito bilhões de desejos diariamente. Haja pensamento positivo para tamanha evolução energética-espiritual.
A ironia é uma competência tão importante, que deveria ser ensinada nas escolas desde a educação infantil, pois ela é a manifestação de um desejo que nega se ajoelhar diante dos caminhos tortuosos da existência. Não é à toa que Sócrates a escolheu como método de sua filosofia. Gente irônica caminha com nobreza invejável, pois tem a certeza de que tudo será matéria para um bom sarcasmo.
As melhores aulas não são aquelas que utilizam botões coloridos, salas em círculo, gente com “mão na massa”, pesquisando no google como se fossem cientistas de Harvard. Uma boa aula é aquela repleta de mensagens irônicas, fórmulas de pensamento que desestabilizam o senso comum e colocam em xeque a pretensão humana de tudo controlar. Force a memória, tenho certeza de que os melhores mestres que você teve foram, também, os mais irônicos.
Cuidado, pois não se trata daquele humor barato, americanizado, com piadas non sense beirando o ridículo de um stand up que só faz rir gente imbecilizada. O humor irônico é fino, fruto de um paladar que se desenvolveu com a experiência do tempo. É a elite do pensamento humano. Não tem relação com poder aquisitivo, mas, ao contrário, com a abertura de alma de se saber um nada no mundo.
A mesma esperança daqueles que pregavam um ser humano melhor no pós-pandemia, um mundo pacífico com governantes lutando pela preservação da vida, agora se materializa em vídeos de TikTok ditando regras para viver, suportando as tristezas com resiliência e de como Deus é sacana com aqueles que tem fé. Afasta-se de gente que lhe envia esse tipo de conteúdo. O mundo continuará salgado, mas a ironia será sempre uma forma de adocicar as palavras diante dos tolos.
A vida ficará cada vez mais insólita à medida que a ironia é marginalizada em nossas rodas sociais. Afinal, o mundo continua o mesmo desde sua fundação, só a gente que acabou emburrecendo.