Historicamente, a educação brasileira não consegue bons resultados na avaliação do PISA, teste internacional que visa avaliar o desempenho de estudantes por volta dos 15 anos de idade a partir do desenvolvimento de habilidades relacionadas à leitura, aos conhecimentos matemáticos e científicos.

A prova não é necessariamente um teste de conteúdos específicos, mas uma avaliação a respeito da capacidade de cada estudante em relacionar seu conhecimento a partir de contextos necessárias ao pleno exercício da cidadania. O Brasil participa desde a primeira edição, em 2000.



Na última avaliação, os brasileiros ficaram entre as últimas posições do ranking, atrás de Azerbaijão, Cazaquistão, Mongólia, Chipre, Catar, Sérvia e do nosso vizinho Uruguai. Apesar de o resultado ter se mostrado estável, isto é, no mesmo nível decepcionante, em cada avaliação somos instigados a pensar nos caminhos e descaminhos da educação brasileira.

Qual é o diferencial dos países que ocupam os primeiros lugares no ranking?

Singapura, China, Japão e Suíça, países que ocupam o topo da educação mundial, segundo a avaliação do PISA, possuem uma estratégia comum: alto investimento na carreira docente. A lógica do mercado funciona aqui como aliada aos processos pedagógicos. Com altos salários, os melhores profissionais são atraídos para a atuação nas escolas. Esse movimento contribui diretamente para a melhoria da qualidade das aulas oferecidas aos estudantes.

Em 2022, a OCDE – Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico – realizou um estudo acerca do piso salarial dos professores, em 40 países. O Brasil ocupou a última posição. Questão simples: a carreira docente não é atrativa para os melhores alunos, ao contrário das nações que se deram bem no Pisa.

A educação como política pública

Darcy Ribeiro concluiu: a crise da educação no Brasil é um projeto. É inocência acreditar que a questão educacional em nosso país é apenas um desleixo ou descaso dos governantes; é mais que isso.

A educação é uma das pastas com um dos maiores investimentos estatais. Porém, o dinheiro do contribuinte acaba saindo pelo ralo da corrupção e demais desvios financeiros, que acabam não entregando o produto comprado pela população. Se a educação fosse um campo deficitário ou sem condições de lucratividade, não teríamos tantos lobbys e grupos econômicos interessados em “piolhar” o mercado educacional.

Desde o material didático à formação de supostas “lideranças políticas”, grandes conglomerados financeiros tomam as rédeas da educação brasileira. Como exemplo mais próximo, temos a inepta “reforma do Ensino Médio”. Isso faz com que o Estado acabe privatizando as discussões acerca da educação no Brasil, distanciando a população e os demais interessados legítimos nas decisões sobre políticas públicas relativas ao tema. Nos países com os melhores resultados no Pisa, a educação é uma política de Estado, nada mais que isso.

Pirotecnia pedagógica

Chamamos de “pirotecnia pedagógica” as mirabolantes soluções apresentadas pelo mercado para os desafios de aprendizagem, propondo uma espécie de engenharia-coaching-gamer-empreendedora. Um exemplo disso são as famosas metodologias ativas, tão eficientes quanto o chá de boldo, a reza contra o quebranto e o papel higiênico com vitamina C (com a única exceção de que as atividades citadas não possuem nenhuma pretensão de chancela científica). O problema da educação brasileira não é a metodologia, mas o princípio de sua condução.

Quase todas essas pirotecnias pressupõem um ensino baseado no conceito de “mão na massa”, que até hoje ninguém sabe ao certo o que isso quer dizer. Perceba, quando alguém não tem mais nada a falar sobre os processos de aprendizagem e seus efeitos simbólicos, orgânicos, sociais e cognitivos ele coloca esse raso conceito em sua frase, terminado sua profunda reflexão com a sentença: precisamos fazer com que os meninos coloquem “a mão na massa”.

A aprendizagem, ao término do Ensino Fundamental e início do Ensino Médio, exige um processo de abstração e complexidade capaz de tirar cada sujeito do mundo imediato e objetivo, construção comum durante a infância. Quando crianças, aprendemos quando interagimos por meio das brincadeiras, montando blocos coloridos, construindo e descontruindo coisas. Assim nos mostra Piaget. O lúdico-pedagógico é muito importante nas primeiras séries do Ensino Fundamental.

Porém, ao sermos introduzidos à vida adulta, é saudável fazer a transição para um mundo de maior complexidade e profundidade. Os países com maior pontuação na última avaliação investiram em um processo de ensino-aprendizagem saudável, abstrato e maduro.

Vale destacar que, assim como no tópico anterior, essa aprendizagem, que mantém o sujeito em uma espécie de infância eterna, é proposta por agentes do mercado que, na maioria das vezes, não possuem nenhuma relação com a educação, mas estão interessados no contexto fértil das propostas metodológicas e na venda de soluções digitais, principalmente às escolas públicas. O interesse é meramente econômico se distanciando, cada vez mais, das intenções pedagógicas.

A falácia da resposta tecnológica aos problemas humanos

Como nos mostra a excelente pesquisa do Prof. Desmurget, apresentada no livro “A Fábrica de Cretinos Digitai: o perigo da tela para nossas crianças”, o conceito de “nativos digitais” se funda a partir de um argumento falacioso. Isso se verifica de duas formas: os gadgets e aplicativos oferecidos pelos suportes digitais são altamente intuitivos e fácies em sua utilização, o que não exige nenhum tipo de aprendizagem em relação a eles. Qualquer pessoa, independentemente da idade, consegue navegar por esse mundo. Portanto, não é uma questão geracional, mas sim de mercado. A lógica é simples: quando mais fácil de acessar, maior a possibilidade de venda. O segundo ponto é verificável no próprio Vale do Silício, onde os gurus da chamara “Era Digital” matriculam seus filhos em escolas que proíbem o uso de telas em suas práticas pedagógicas, pois sabem do caráter destrutivo e perigos do monstro que eles mesmo criaram.

Basta verificar a inaptidão da dos Millenials ou da Geração Z em fazer um cadastro online ou executar tarefas simples em programas como Excel e Word. Navegar na incubadora de imbecis das redes sociais é tarefa fácil, repetitiva e viciante, incapaz de produzir qualquer conhecimento que contribuía para o desenvolvimento cognitivo.

O que se nota é um empobrecimento da linguagem, a inaptidão para lidar com as relações humanas, aumento da irritação e diminuição do tempo de concentração. Em seu livro, que vale a pena ser lido e discutido por educadores de todo o país, ele aponta para o agravamento da crise humana e seu impacto negativo nos processos pedagógicos a partir das escolas que adeririam à moda dos “nativos digitais”.

A gamificação e a digitalização dos processos pedagógicos só construirá sujeitos cada vez mais infantilizados e inaptos para a vida em sociedade, incapazes de responder às principais questões das relações humanas, tanto no âmbito político, social, acadêmico ou do trabalho, pois não oferecem ferramentas úteis para a discussão dessas questões, apenas domesticam para a utilização recreativa dos suportes digitais. Nessa toada, toda aula que não se tornar em uma grande recreação corre o risco de ser tachada de antiquada, obsoleta e inútil.

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