Poucos sentimentos são tão poderosos como a inveja. Por isso, é bem mais fácil ser invejoso do que feliz. A felicidade - se é que ela existe de alguma forma - é elaboração e exige tempo, uma boa dose de sabedoria, decisões e renúncias. Enfim, longa estrada em direção a uma aposta que, como todo jogo, podemos ganhar, ou não. Diferentemente, a inveja não tem erro.

Sensação primitiva, adormecida, se mostra sempre fácil de ser despertada. Bastam imagens, sons, contato com outros seres humanos e ela esta ali, pronta para encher qualquer vivente de uma certa ânsia destrutiva, tão antiga quanto nossos instintos mais primitivos.



Ao contrário das virtudes, a inveja não é ponto de chegada, mas de partida. Ousaria dizer que se torna, no contexto contemporâneo, um elemento criador. Isso mesmo. Construtor de relações sociais. Se a guerra une os homens mais do que a paz, não erraríamos em considerar a inveja como um elemento de unificação social, uma espécie de cimento capaz de pavimentar o terreno sobre o qual nos relacionarmos uns com os outros. Uma coisa é certa, ela é bem mais eficiente do que a empatia e seus métodos de comunicação não-violenta. A inveja é sempre verdadeira e disposta a ajudar, o altruísmo muitas vezes é interesseiro e raro.

E não é isso que fazemos diariamente, exibindo nossas vidas para aqueles que não desfrutam do mesmo privilégio? Dos pratos de comida aos lugares festivos, das promoções no trabalho aos novos relacionamentos, somos sempre seres suplicantes, desejosos da inveja alheia. No fundo, só queremos o olhar do outro pousando sobre nós, com a bílis ressentida por aquilo que não podem ter, autorizando, com seus sentimentos mais viscerais, nosso suposto prazer.

Olha que beleza! Agora, com os suportes digitais, podemos carregar no bolso os olhares
daqueles que nos invejam.

Sem dúvida, o empoderamento invejoso é o prazer que potencializa tudo aquilo que chamamos, erroneamente, de revolução digital. Na realidade, só quero que o olhar do outro pouse sobre mim na latência de alguém que se enraivece com as supostas conquistas de meu ego. Para alguns, essa é a mola propulsora do sucesso. Para outros, o martírio dos deslikes e a desautorização em ser feliz. Sartre tinha razão: o inferno são os outros.

As redes são essa máquina de pioramento humano. A cada dia, criamos uma pior versão de nós mesmos, vislumbrando, no fundo da alma, que o outro não seja merecedor de tantas alegrias, refeições e amores, mesmo tendo a certeza de que não passam de filtros. Assim, nos colocamos em prontidão para superá-lo e, se for possível, empurrá-lo para o Hades do esquecimento digital. Essa é a mola propulsora dos chamados inativos digitais: a crua e nociva inveja.

Devemos admitir que, desde os primórdios, o invejoso sempre foi alguém com foco, propósito e disposto a topar o desafio de suprimir seus concorrentes, haja vista que a inveja já era considerada um pecado capital. Porém, com a ascensão da comunicação em rede, potencializadora dessa incubadora de imbecis, ela ganha o status de pecado digital. E assim formamos nossas redes de inimizades virtuais. Afinal, como nos alertou Nelson Rodrigues, “não há admiração mais deliciosa do que a do inimigo”.

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