Atribuímos a Homero as duas maiores histórias do mundo grego, a Ilíada e a Odisseia. Muito se discute se ele, de fato, existiu. Ou se era um coletivo (como se diz hoje em dia), um grupo de pessoas que construíram, em comunidade, essas narrativas. Para além dessa discussão, o fato é que a Guerra de Troia e a volta de Ulisses para Ítaca foram elementos fundamentais na cultura ocidental.

O interessante nisso tudo é que, fundamentalmente, toda a educação grega era constituída por essa narrativa. Seus heróis, mitos, atos de coragem e bravura, bem como vinganças e ódios reprováveis, faziam parte de uma sólida proposta pedagógica. Com eles, o homem aprendia a se humanizar, entendendo a vida, as relações sociais e a organização física do mundo. Sim. Existiu um tempo em que a oralidade era valorizada em sala de aula.

Por cerca de mil anos, essa grande narrativa épica constituiu a principal inspiração pedagógica no mundo clássico. Atualmente, com a supervalorização das inovações que, na maioria das vezes, se resumem na novidade pela própria novidade, isso é quase impossível. Olha que não falamos de qualquer coisa, falamos de uma educação grega, referência histórica para o ocidente. Quando todos as atividades ligadas às necessidades corporais eram terminadas, eles se reuniam em scholé – de onde tiramos o nome escola -, momento de ócio e discussão, tempo livre para pensar e refletir, informar e se formar.




Se esse conceito parece descolado em nosso tempo, com as escolas, cada vez mais, tentando ocupar o tempo de seus estudantes, com horários comprimidos e testes ininterruptos, essa ausência de tempo livre fala muito mais de nós e de nossa sociedade, produtiva e competitiva, do que deles, que viveram satisfeitos e realizados em seu sistema educacional. Uma educação que antecipa o mundo do trabalho seria uma aberração para os gregos, coisa de gente que não se interessa, de verdade, pelo conhecimento e pensa que a vida é apenas uma satisfação de necessidades fisiológicas.

A crescente necessidade de inovação e a inserção de “trecos” digitais, popularmente chamadas de tecnologias de aprendizagens, tem contribuído para um fenômeno de aceleração da vida escolar, responsável, inclusive, pelo adoecimento psíquico de muitas crianças e adolescentes. Crianças sem histórias crescem medrosas, ansiosas e inseguras. A narrativa, em seu caráter pedagógico, carrega uma essência de formação ética e existencial capaz de afastar muitos monstros que eles terão de enfrentar na vida adulta. Recentemente, vimos as escolas europeias retornarem ao livro de papel, dedicando tempo à sua leitura e discussão, pois perceberam os impactos, em sua maioria negativos, dessa profecia.


Uma escola sem tempo é um lugar sem história, sem vínculos e carente de relações. Uma aprendizagem significativa se traduz em um processo de assimilação reflexiva que leva em consideração o tempo livre para pensar, elaborar e debater. Essa tarefa se faz quase impossível diante dos inúmeros estímulos que, cada vez mais, tentamos colocar em uma sala de aula.

Ex-peri-mentar o conhecimento é – como propõe o radical da palavra, “peri” - sair de seu perímetro, propondo travessias desconhecidas e aventureiras, na busca de algo sobre o qual ainda não sabemos. Mas como fazer isso, se estamos colocando, cada vez mais, nossos estudantes em áreas limitadas e restritas pelos trecos digitais?


A ilusão de que eles podem acessar qualquer coisa, buscar qualquer informação e manipular qualquer aparelho encobre o fato de que, na contemporaneidade, uma educação inovadora tem sido vista, na verdade, como mera ação de entretenimento, e os professores, anteriormente vistos como portadores de uma inquietação estimulante, como representantes comerciais da revolução digital. No fundo, tudo não passa de uma forma que objetiva criar consumidores convencidos de que os instrumentos são mais importantes que o pensamento.

Talvez nunca saibamos, de fato, o que faziam os gregos em sua scholé, mas tenhamos consciência de que uma boa educação é feita de histórias que possibilitem tempo livre para reflexão. Nisso, Homero ainda pode nos ensinar muitas coisas. Afinal, “o tempo que uma pessoa passa pensando é o tempo que passa junto aos deuses”.

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