Tenho tentado fugir do convívio de gente convicta. Não é fácil, admito. Porém, apesar do esforço diário, tem sido uma experiência satisfatória. Tem sempre alguém, em uma mesa qualquer, convicto de que está do lado certo da história, encharcado com um tipo de ignorância perigosa: a burrice acompanhada da iniciativa.


A ignorância, em si, não é lá um grande problema. Há quem diga que os ignorantes são até mais felizes (particularmente, às vezes até penso que sim). Porém, ao pensar isso, já demonstramos a perda existencial dessa dádiva divina. A picada do mosquito da dúvida é, muitas vezes, semelhante à do Aedes Aegypt, deixa nossas certezas em estado permanente de febre.

 




O problema mesmo é o ignorante com iniciativa, o burro convicto. E geralmente é esse o problema em relação à ignorância: seu potencial destrutivo. Esse tipo humano não quer ficar em seu canto, na humildade socrática de saber que ainda sabe muito pouco sobre as coisas, reconhecendo-se como mortal, limitado e peregrino. Todo imbecil cheio de disposição é um perigo, possui um potencial voraz e presunçoso.


Ao redor das mesas, essa gente é facilmente reconhecida: sabem tudo sobre todas as guerras que acontecem no mundo, entendem de economia e política, identificam de imediato a melhor forma de governo, sempre demonstram alguma teoria na ponta da língua e vivem tamponando a complexidade do real com conceitos simplistas, na tentativa de resolver todas as mazelas sociais culpando o capitalismo, a burguesia, o machismo, o esquerdismo, o racismo estrutural, o patriarcado opressor, a alta do dólar, o neoliberalismo cruel ou o direito das pessoas amarem quem elas quiserem. Quando todos os problemas do mundo se reduzem a um único culpado, será que devemos desconfiar?


Sócrates, com seu método maiêutico, nos provoca a repensar aquelas ideias que introjetamos dentro de nós, ao longo da vida, e as alimentamos como dogmas religiosos. É preciso, diariamente, expô-las ao sol da dúvida mais cética, para ver até quando elas resistem de pé. Caso sucumbam, é sinal de que chegou a hora de revê-las, perguntando-nos, sinceramente, se não são apenas preconceitos ou insciências que guardamos, no fundo da alma, para esconder nossa impetuosidade de tentar saber algo que “o resto dos pobres mortais não sabe ainda”. Esse sempre foi um prazer dos incultos: se achar especial, possuidor de uma sabedoria reservada a poucos, mas escondida das grandes massas. Gente que pensa, não tem muito tempo para isso.


Lembre-se: convicção não é sinal de inteligência. Geralmente, alimentamos nossas convicções para fugir do esforço de refletir verdadeiramente, de pensar seriamente naquilo que acreditamos ao longo da vida. É muito mais fácil supor que estamos certos, ainda mais com algoritmos nos bombardeando com certezas todo dia. O pensamento, esse diálogo silencioso que travamos conosco, pode ser uma boa forma de melhoramento existencial e redução das incompreensões entre os seres humanos.


E aí, já expôs duas convicções ao sol de hoje?

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