Sei que essa afirmação é complexa. Porém, já esclareço que não se trata de constatação científica, mas de provocação filosófica, apesar de alguns estudos apontarem para essa tese, como é o caso do Prof. Michel Desmurget em seu livro “A Fábrica de Cretinos Digitais”, publicado em 2021. Todo pai, mãe, educador e educadora deveriam ler essa obra.
Ainda não tratamos com seriedade o impacto das telas no desenvolvimento de nossas crianças e jovens. Acredito que todos os transtornos, que excepcionalmente manifestam seus sintomas preferencialmente na aprendizagem (estranho, não?) deveriam levar em consideração esse fato social. Lógico que não é possível desconsiderar fatores patológicos, mas quem nos garante que eles são consequência da chamada “vida digital” e não apenas uma causa patológica dos distúrbios de concentração?
É possível que a nossa geração seja parte do maior experimento behaviorista da história. Sabe os ratinhos condicionados em testes laboratoriais? Pois é. Falo dessa situação. Passamos a ser estimulados por uma série de telas que, agora, determinam nossas ações. Somos treinados, desde crianças, a levantar quando escutamos o sinal sonoro da escola, a sentir fome somente das 12h às 13h, a passar a maior parte de nossa vida como espectadores e a suprir nossa fome lambendo pintura de pão, como diria o filósofo Agostinho. Esse é o condicionamento básico.
- Leia: pais de adolescentes, segue a receita para criar adultos inúteis
- E: resiliência é a bobagem do capitalismo coaching
Atualmente, saltamos para o nível hard de condicionamento social, levados por algoritmos que estimulam todos os nossos sentidos para uma aceleração contínua, consumindo sons, imagens e informações durante todo o dia, a toda hora.
Acontece que, nesse momento, estamos começando a colher os resultados desse experimento social. Pessoas descentradas, multifuncionais, insones, consumidores de vidas que não são a sua na espera de um novo estímulo para clicar em algum botão colorido que irá distraí-lo da própria existência.
Nunca foi tão fácil se livrar do tédio, aprendizagem que nos proporciona graus elevados de concentração e abertura para a introspecção. Se com Sócrates aprendemos o “conhece-te a ti mesmo”, com o vale do silício desenvolvemos o “distraia-te de ti mesmo”.
Sabemos que o ser humano é movido por duas categorias de estímulos: externos e internos. Aqueles que já condicionaram seus cérebros a graus elevados de dopamina com imagens, telas e dancinhas, na busca infinita por cliques e aceitações externas, dificilmente serão capazes de retomar a alegria com as manifestações produzidas em sua interioridade, com a concentração, o pensamento, o conhecimento, a leitura e outras atividades humanas. Insatisfeitos, buscaremos sempre um “algo mais”, pois desaprendemos a nos contentamos com outros prazeres, mais existenciais e subjetivos.
Estamos condicionados por estímulos que, cada vez mais, nos colocam como ratos em busca de queijo, colocado cada vez mais longe para que possamos caminhar, não por nosso próprio desejo, mas para satisfazer uma vontade alheia à nossa, que agora decide a direção pela qual seguimos. Esse é o mecanismo social de desconcentração geral. E é lógico que isso encaminhará novas patologias.
Não me espantarei se chegarmos num tempo em que a concentração se transformará em artigo de luxo, mais caro que petróleo. Escolas dedicarão aulas para seu desenvolvimento e corporações a colocarão como habilidade primordial nas contratações.
Um sujeito concentrado é capaz de dar alegria a si mesmo, causar prazer pela companhia de si, pois é cheio de motivos internos para continuar vivendo. Afinal, como nos disse Nietzsche, “aquele que tem um porquê é capaz de enfrentar qualquer como”.
Talvez a patologia que mereça mais atenção seja uma geração inteira que, ao sofrer com diversos diagnósticos sequenciados por letras, esteja adoecida unicamente pela falta de seus próprios “porquês”, constatando que “há tempos são os jovens que adoecem”.