Fachada do Mercado Central da Avenida Augusto de Lima, no Centro de BH -  (crédito: Paulo JC Nogueira/wikimedia commons)

Fachada do Mercado Central da Avenida Augusto de Lima, no Centro de BH

crédito: Paulo JC Nogueira/wikimedia commons

Outro dia, no Buteco do Chicão, o ambiente mais acadêmico que tenho frequentado nos últimos tempos, todos os companheiros, imortais da Academia Etílica de Bestas, desejavam a chegada do meteoro, única via possível de melhoramento da humanidade.


Ernesto, um pouco exaltado, justificava os motivos para tamanha desesperança: - Pô, velho... Depois de Hobsbawn e a Era das Revoluções entramos na era dos Grandes Vazios. É pão sem farinha, leite sem lactose, café sem cafeína, torresmo sem gordura e cachaça sem álcool. Não há mais o ser, apenas o não ser. Arrematava: - Chicão, antes do meteoro chegar, desce mais uma!

 


Na outra ponta, um pouco mais animado, o Bigorna refletia: - fica tranquilo, meu irmão. A turma da Geração KY, nativos urbanos que puxam fumaça de Pendrive, se encarregarão do extermínio. O pessoal que quer o corpo livre é a que menos transa, se comparada com as gerações anteriores. Ainda bem! Imagine o cruzamento de youtuber com tiktoker? Não viveremos, exatamente, um fim de mundo, vamos minguar aos poucos.

 


Bilisco é mais distópico, leitor de Peter Singer e devoto da libertação animal. Para ele viveremos a Revolução dos Pets. Cansados de serem arrastados por madames e senhores, os pobres escravos das demandas afetivas mal resolvidas, irão se revoltar contra essa eugenia canalizada em raças perfeitinhas, criadas em laboratórios. Os rebeldes nos tirarão de casa, levando-nos a passear com eles, presos por uma guia, exibindo seu mais novo mascote.

 


O Tampa, no auge do ceticismo filosófico, flertava com certo reacionarismo pedagógico, relembrando os tempos em que a educação produzia gente como Guimarães Rosa, Carlos Drummond e Antônio Abujamra. Ele se revoltava com o fato de que, na prova de Física, os meninos responderam que o tamanho de uma célula de rã seria de 4.956 quilômetros. Rodela, com sua fina ironia, rápido igual a um ponta direita da década de 80, falou: - mas aí o errado é você que faltou na palestra sobre metodologia ativa! Vai ver que é uma rã do metaverso, mano! A molecada de hoje não sabe descascar uma laranja, mas entende muito de realidades que não existem!


Acompanho toda discussão em postura socrática. Em minha cabeça, apenas um assunto ocupa os espaços que ainda não foram invadidos pelo líquido amarelopoético responsável pela alegria etílica: a mudança de nome do Mercado Central. Em seu aniversário recebemos esse cavalo de troia. Hereges dirão que mudar o nome não altera nada. Povo pacóvio! Vejam o que aconteceu no futebol: mudamos de Estádio para Arena, trocamos o torcedor pelo consumidor e transformamos a peleja em experiência imersiva. Agora jogam uma coisa lá no campo que nem sei mais o que é. Desde a Idade Média e a querela dos universais sabemos que nomes são, na verdade, essências.

 

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Já imaginou o bife de fígado acebolado sendo rebatizado de foie de bouef com cebolas flambadas ao molho de viande? E tudo isso acompanhado de uma humilhante Long Neck? Porque o sinal de que um boteco se transformou em espaço de coworking é a venda dessas garrafinhas ridículas que só serviam mesmo para prender o Saci.

 


Pensar que o Mercado Central optou pelas apostas online em vez do Jogo do Bicho dói na alma da gente. Porém, ainda nos sobra a resistência, erguendo nossos lagoinhas como espadas heroicas que desafiam qualquer copo térmico, ocupando os espaços marginais que ainda não foram colonizados pelo Capitalismo Coaching.