Outro dia meu amigo Rafael enviou uma mensagem: - cara... acabei de conversar com umas cinco pessoas com dentes mais brancos do que recém-nascido! Rimos e falamos mal desse pessoal que acha que viver bem é conservar uma certa pureza infantil. Primeiro: depois de Freud, sabemos que a infância é repleta de perversidade. Segundo: tem uma gente que acredita mesmo nesse negócio de estética.
Uma rápida consulta no Google nos mostra a verdade: o Brasil é o país que mais realiza cirurgia plástica no mundo. Esse dado fica mais alarmante quando verificamos o aumento de procedimentos estéticos entre crianças e adolescentes. Medo de envelhecer quando chegamos aos 40, 50 ou 60 faz parte da vida. Porém, ter receio de chegar aos 20 sem o “corpinho” de 18 é sinal de uma cultura doente.
E o Google, quase sempre, lida com verdades. Não é à toa que o chamamos de “buscador”. Nele, queremos saber o resultado de um exame, os principais acontecimentos do mundo e até se alguém nos ama de verdade ou não. As redes sociais já são diferentes. Eles são o palco da ilusão, da vida que não vivemos, daquilo que gostaríamos de ser, mas não somos. E elas são responsáveis por inculcar na cabeça de crianças e jovens que nunca terão a vida perfeita.
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Lógico, haverá sempre um nariz fora do lugar, uma orelha que escuta bem, mas não é apresentável, uma barriga que conta história de felicidades e chopes, mas deve esconder do grande público essa curva que representa o trajeto indefinido da vida. Uma ruga aqui e acolá, que antes era sinal de sabedoria, hoje são linhas execráveis na era dos filtros.
Não é à toa que a palavra da moda no capitalismo-coaching é “perfomar”. Não precisa de conteúdo, pois ele demanda tempo, esforço e dedicação. Saco cheio de ouvir os ambientes corporativos e até o futebol. É interessante como alguns termos ganham status de conhecimento adquirido: - fulano tem de fazer uma entrega melhor, ciclano não está performando bem. Pega bem usar os termos inventados que não querem dizer coisa alguma.
Não precisa de presente dentro da embalagem, mas apenas um invólucro perfeito. Entramos na era do Capitalismo Performático. De professor showman, com muita metodologia ativa e digitalização da aprendizagem, mas com poucas horas-bunda de leitura e conteúdo, até a políticos que transformam a democracia em um grande stand up comedy, onde o corte do Instagram vale mais do que o projeto de governo, experimentamos esse caldo de cultura que retira a importância dos fatos e valoriza a contabilidade dos cliques.
A verdade do Capitalismo de Performance é que ele vive de gente que trabalha, produz na invisibilidade do dia a dia, mas, no final do expediente, na hora do almoço, ou entre um intervalo acaba dando palco a outros que vivem da imagem, do corte, de encenações que arrebatam cliques. A luta de classes mudou o formato. Ao invés de burguesia e proletariado, temos trabalhadores e performáticos.
O debate não é mais entre Ser e Ter, mas entre performar e parecer. E assim vamos levando nossa vida, como se se ela fosse uma grande planilha de Excel existencial na qual as verdadeiras fórmulas estão ocultas. Cortes no Instagram decidem votos, dentes brancos falam da pureza da vida e silicones, Botox e transplantes capilares abrem portas performáticas no mercado ilusões. No entanto, fiquemos tranquilos. Pense bem: sempre haverá um novo antidepressivo ou ansiolítico para quando estivermos longe da performance inventada.