Musk, que já foi celebrado como um Steve Jobs 2.0, agora se tornou um alimentador de narrativas dúbias no playground global das redes sociais -  (crédito: Reprodução)

Musk, que já foi celebrado como um Steve Jobs 2.0, agora se tornou um alimentador de narrativas dúbias no playground global das redes sociais

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Imagine um mundo onde a verdade não é mais um valor, mas um acessório descartável. Bem-vindo à era do tecnopólio, como Neil Postman brilhantemente definiu: um sistema em que a tecnologia não só domina todos os aspectos da vida humana, como também decide o que tem valor e o que é irrelevante.

 

 

Dentro desse cenário, temos um personagem emblemático: Elon Musk, o messias contemporâneo das startups, que transita entre o visionário e o destruidor de consensos. Um magnata que mantem sua visão nublada por uma tempestade de desinformação.


 

Musk, que já foi celebrado como um Steve Jobs 2.0, agora se tornou um alimentador de narrativas dúbias no playground global das redes sociais. Desde que assumiu o Twitter, hoje chamado de X — uma ironia, dado o grau de opacidade que ele trouxe à plataforma —, o bilionário não só tolera a desinformação, como parece encorajá-la, retweetando fakenews com a mesma empolgação com que fala de colonizar Marte.

 

 

E não para por aí. Recentemente, surgiram relatos de que Musk e outros magnatas das big techs — incluindo Larry Page e Marc Andreessen — estariam cogitando criar um país próprio, uma espécie de distopia privatizada. A ideia, aparentemente inspirada em sonhos libertários, seria estabelecer uma nação onde eles possam testar suas tecnologias e políticas sem as amarras das regulamentações governamentais. Não soa como um episódio de “Black Mirror”? Esse "país das big techs" seria o ápice do tecnopólio: um mundo onde a tecnologia não só governa, mas também literalmente cria seu próprio território, suas leis e sua visão de sociedade.

 

Nietzsche nos alertou sobre o perigo de criarmos novos ídolos. Em” Assim Falou Zaratustra”, ele escreve: “Amamos mais o desejo do que aquilo que é desejado”. Estamos tão fascinados pela promessa da tecnologia — o “desejo” de um mundo resolvido pelos algoritmos e pela inovação — que esquecemos de questionar quem conduz o espetáculo. No caso de Musk e seus colegas, o desejo se transforma em um culto de personalidade que cega seus seguidores diante das implicações éticas de sua conduta.

 

 

No tecnopólio, as plataformas digitais são mais que ferramentas; elas são templos. E Musk, com seu poder de redefinir as regras do jogo, se coloca no altar como sumo sacerdote. Mas, em vez de guiar a humanidade para um futuro iluminado, ele contribui para uma realidade onde a dúvida sistemática é substituída pela confusão calculada. A verdade não é refutada; ela é diluída, como um tweet perdido no mar de posts furiosos e memes sarcásticos.

 

Neil Postman também advertia que o tecnopólio reduz o conhecimento humano a informações desconexas, sem contexto ou crítica. É exatamente isso que Musk promove quando dissemina conteúdos falsos: ele quebra o vínculo entre o fato e a compreensão, deixando-nos num estado hobbesiano, onde não há mais consenso possível. A desinformação é o novo “Leviatã”, e Musk parece querer sentar-se no trono — talvez até em um trono soberano em seu país imaginário.

 

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É hora de questionarmos o legado desse “visionário”. Não é suficiente admirar carros elétricos ou foguetes reutilizáveis enquanto ignoramos o impacto corrosivo de sua conduta no espaço público. “Uma vida não examinada não merece ser vivida”. Talvez seja hora de Musk examinar não só seus tweets, mas o papel que escolheu desempenhar no mundo. Porque se deixarmos os magnatas da tecnologia governarem sem limites, não teremos apenas um tecnopólio; teremos uma tecno-oligarquia com fronteiras próprias manipulações, pois o futuro tecnológico não pode ser construído sobre os escombros da verdade.