A educação, ora ou outra, se entrega a modismo. Recebemos e ingerimos receitas prontas a partir de supostas “pedagogias inovadoras”, que mostraram seu fracasso ao longo do tempo. Foi assim com o chamado Ciclo Básico de Alfabetização (1980-1990). A ideia era acabar com a repetência nos primeiros anos do ensino fundamental, permitindo que os alunos progredissem sem ser reprovados enquanto eram alfabetizados. Na prática, o programa negligenciou a qualidade do aprendizado, resultando em estudantes que avançavam nas séries sem dominar habilidades básicas, como leitura e escrita.

 

 

Outra fatídica experiência atendeu pelo nome de Progressão Continuada (1990). Inspirada em modelos de outros países, a progressão continuada propunha eliminar a reprovação, assumindo que o aprendizado seria recuperado ao longo dos anos. Sem o devido suporte pedagógico e recursos, a medida foi percebida como “aprovação automática”. Muitos alunos passaram de série sem ter o conhecimento esperado, ampliando as desigualdades educacionais.

 

Também conhecemos o Construtivismo, baseado nas ideias de Piaget e Vygotsky, adaptado de forma simplista em muitas escolas brasileiras. Na prática, virou sinônimo de "o professor não ensina, o aluno descobre sozinho", ignorando que o método exige preparo e acompanhamento constante. O resultado foi uma geração de estudantes com lacunas no aprendizado.

 

 

Agora, experimentamos a Personalização e a Digitalização da Aprendizagem. Nos últimos anos, esse novo modismo tem sido promovido como o futuro da educação. A promessa é tentadora: plataformas adaptativas que moldam conteúdos às necessidades individuais, eliminando lacunas de aprendizado com algoritmos inteligentes. No entanto, a realidade é bem menos animadora. Essa abordagem, embora sedutora, falha em compreender a complexidade do processo educativo e, no limite, pode esvaziar o sentido humano da aprendizagem. A magia de que "cada aluno aprende no seu ritmo".

 

Educação não é só sobre ritmo. É sobre interação, confronto de ideias e diálogo com a diversidade. O aprendizado acontece, muitas vezes, justamente no desconforto de lidar com o outro, com perspectivas diferentes e ritmos diversos. O professor é um mediador de experiências coletivas, que fomenta a convivência e o pensamento crítico.

 

Plataformas digitais, por mais avançadas que sejam, operam sob uma lógica simplista: fragmentam o conhecimento em blocos e o ajustam a padrões de desempenho. Isso reduz o aprendizado a algo mecânico, desprovido de profundidade ou reflexão. Será que aprender filosofia, literatura ou história pode ser reduzido a clicar em respostas corretas num aplicativo?

 

 

O efeito da desumanização

 

A educação é um processo essencialmente humano. Grandes educadores, como Paulo Freire, destacaram que a aprendizagem acontece em uma relação dialógica — o professor e o aluno aprendem juntos. A digitalização, ao isolar o aluno na frente de uma tela, enfraquece essa relação. O "personalizado" vira "solitário".

 

Além disso, a interação social em sala de aula vai além do conteúdo: é onde aprendemos a argumentar, ouvir, discordar e colaborar. Esses aspectos fundamentais da formação cidadã e ética são impossíveis de reproduzir em plataformas digitais, por mais sofisticadas que sejam.

 

A cultura do imediatismo

 

A digitalização promove uma ideia perigosa: aprender rápido, com feedback instantâneo. Mas a verdadeira aprendizagem é lenta e exige paciência. É o ato de reler um parágrafo difícil, de perguntar ao professor, de debater com colegas até entender algo em profundidade. Quando colocamos o algoritmo no centro, perdemos o tempo necessário para a maturação do conhecimento.

 



 

Educação não é consumo

 

No fundo, a digitalização e personalização refletem uma visão mercantilista da educação. Os alunos são tratados como consumidores e os conteúdos como produtos. A lógica é clara: "O cliente tem sempre razão, então vamos dar o que ele quer". Mas a educação não deve oferecer apenas o que o aluno "gosta" ou "facilmente entende". Ela deve provocar, desafiar e expandir horizontes.

 

Esses modismos, em geral, não deram certo porque desconsideraram o contexto brasileiro. Muitas ideias importadas de outros países ignoraram a desigualdade e os desafios estruturais do Brasil. Além disso, a ausência de recursos financeiros e de capacitação para professores acaba minando iniciativas promissoras. Dessa forma, temos soluções apressadas, isso é, ideias muitas vezes implantadas mais por motivos políticos do que educacionais, sem avaliação prévia ou acompanhamento adequado.

 

A educação brasileira não precisa de modismos, mas de políticas consistentes, planejamento de longo prazo e compromisso com a qualidade e equidade.

 

 

Tecnologia sim, mas com sabedoria

 

Isso não significa rejeitar a tecnologia. Recursos digitais podem ser ferramentas poderosas quando usados para complementar, e não substituir, o papel do professor e da sala de aula. O problema está em depositar na digitalização e personalização a solução para problemas educacionais que são, na verdade, humanos e sociais.

 

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Educar é formar seres humanos plenos, críticos e criativos — algo que nenhum algoritmo pode programar. Afinal, a aprendizagem é mais do que uma série de respostas corretas: é a capacidade de perguntar, questionar e transformar o mundo. E isso, até agora, nenhum software conseguiu ensinar.

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