O mal sempre foi um dilema para a filosofia. Sócrates, por exemplo, enxergava o mal como um problema cognitivo: para ele, pensar bem leva inevitavelmente a agir bem. Ou seja, se você está fazendo algo errado, é porque deixou o cérebro no modo "stand-by". Mas há um detalhe aí: se mal é a ausência de reflexão, como podemos afirmar com segurança que alguém fez algo realmente mau? Primeiro, precisaríamos definir o Bem — tarefa filosófica digna de quebra-cabeça em 4D.

 

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A conversa avança com Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, para os íntimos. Ele traz a questão para o campo teológico, e aí o nó fica apertado: se Deus é o Sumo Bem e criou tudo, como explicar a existência do mal no mundo? Ou Deus não criou o mal e, portanto, não criou tudo, ou criou o mal e, bem... não é lá tão bonzinho. Para escapar desse beco metafísico, Agostinho trouxe uma sacada genial: o mal é só a ausência do Bem. Nada de entidade sombria com contrato de exclusividade para dominar o mundo. É como uma faca sem corte: deixou de cumprir sua função, e pronto. E assim, ele joga a batata quente do mal para o colo da liberdade humana. A culpa é nossa, basicamente.

 


Corta para Hannah Arendt, uma fã declarada de Sócrates e Agostinho, que mergulhou na discussão observando os horrores do totalitarismo. No julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazista que alegava estar "apenas cumprindo ordens", Arendt cunhou o famoso conceito de "banalidade do mal". Aqui, o ele não aparece com chifres e tridente, mas sim em um burocrata de terno e gravata, sem uma gota de ódio, apenas obedecendo protocolos como se estivesse arquivando pastas no escritório. É o tipo de mal que não grita, apenas preenche formulários.


O mais assustador? Esse tipo de mal não depende de um regime totalitário. Ele pode surgir em sociedades obcecadas por produtividade, onde as pessoas estão tão atoladas de tarefas que mal têm tempo de pensar. Quando não refletimos sobre nossas ações, podemos viralizar uma foto humilhante de um amigo e ainda dizer: "Foi só uma brincadeira!". É aí que a banalidade faz sua mágica: o mal se instala sem raiva, sem ódio, sem culpa.

 


Claro, sempre haverá os perversos clássicos — aqueles que gostam de ver o circo pegar fogo. Esses são mais fáceis de identificar e, convenhamos, mais previsíveis. Mas a massa distraída, anestesiada por parafernálias tecnológicas e cronogramas apertados, pode ser ainda mais perigosa.


Por isso, precisamos repensar o papel da educação. Não adianta entupir currículos com mais realidade virtual e empreendedorismo, achando que estamos criando o futuro. Estamos, na verdade, pavimentando o caminho para a robotização da alma humana. Precisamos de tempo para o ócio reflexivo, esse luxo subversivo que nos permite questionar as coisas mais simples — como se é mesmo uma boa ideia compartilhar aquele meme constrangedor.

 


A Finlândia, que já foi a queridinha da educação mundial, começa a rever sua overdose de tecnologia e flexibilização curricular após uma queda no desempenho dos alunos. Talvez o segredo esteja em uma educação mais reflexiva, que nos ensine a pensar antes de apertar "compartilhar".


Como Arendt sugeriu, a educação não é uma varinha mágica, mas pode ser o ponto de partida para novos inícios. Afinal, em tempos de mal sem raiva e de mentes no piloto automático, o que precisamos é de menos cliques e mais consciência.

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