Como a patologia se manifesta sempre em eventos bipolares, e para tal doença não há cura, voltei a crer piamente no título impossível – aquele que se alcançará de forma sobrenatural depois de promessas impagáveis, pactos com o diabo, gols espíritas e uma epidemia de infartos a querer nos dizimar. Desde já, porém, fica proibido morrer.
Em colunas anteriores, este corvo no umbral já estava a secar o Botafogo: “Nunca mais”, como disse o camarada Poe. Com o perdão dos muitos amigos botafoguenses, uma gente diferenciada no exercício do torcer, está claro que a derrota para o Palmeiras fará desandar o que desandado já estava. Fico até com dó. Mas enquanto escrevia essa frase, passou.
Agora é só ladeira abaixo, ficando o título a cargo do candidato óbvio, esse Palmeiras redivivo desde que lhe metemos o ferro. Correndo por dentro, o Red Bull Bragantino, esse penetra na festa, também se apresenta. O Grêmio quer. O Flamengo sente o cheirinho. Tudo o que posso adiantar é: não passarão!
Correndo por fora, lá vem o Galão, esse Robin Hood do ludopédio nacional, essa máquina na luta contra a desigualdade – o tigrão dos opressores, a tchutchuca dos oprimidos. Faltando sete jogos para o fim do certame, apenas três são pelejas de nível hard, dificílimas, praticamente no campo do impossível, a saber, contra América, hoje, Goiás e Bahia. O resto é tranquilo.
Há sinais inequívocos de que há sinais. Abra o quadro de artilheiros e verá que apenas um time tem dois de seus atacantes entre os maiores goleadores do campeonato. Falta um gol, um tiquinho só, para Paulinho assumir a ponta, o que acontecerá no dia de hoje – mesmo diante do poderosíssimo América, esse zumbi que habita as profundezas da tabela, sempre um perigo. Tá que tá o filho de Oxóssi, quase fazendo superar a dor de corno pelo término com Savarino. Na cola dele, só três flechadas a menos, o filho do seu Gilvan.
Apesar da caminhada um tanto trôpega neste estranho ano de 23, o Galo chega às rodadas finais do Brasileirão tendo pegado no tranco. Agora vai o bonde desgovernado, a Tropa do Fura Bloqueio sentido ladeira acima! Tudo meio esquisito: um futebol nada vistoso, o Felipão no comando, a paçoca entregue aos times da zona de rebaixamento, as boas vitórias contra os grandes do campeonato, a “Arena” sem povo, a safada da SAF. E, no entanto, engatamos uma segunda e, aos 45 do segundo tempo, o motor ligou. Agora vamo nóis, na crença patológica de que tudo é possível.
O primeiro sintoma do atleticano doente está na maneira inquestionável como ele acredita no inacreditável. O atleticano doente é o crente em estado de arte. Não precisa argumento, desnecessária a estatística – se faltar 10 pontos e uma única rodada, o atleticano doente seguirá acreditando. A sete pontos do topo e sete rodadas a jogar, o maluco acha que dá. Uma vitória hoje, e adentrará a fase que no alcoolismo seria a do gim. No caso do crente total, é a fase da Absolut – a absoluta certeza.
Está claro que, de tanto acreditar, a realidade aprende. Tanto melhor quando a crença é verdadeira e o cara deveras acredita, pra valer, sem sombra de dúvida. O atleticano é desse jeito porque carrega consigo o merecimento do mundo. Acha que tudo, um dia, será pago com juros e correção. E sempre que pode já está lá com as duplicatas na mão, a cobrar a fatura da vida.
Para quitá-la, o homem lá em cima prepara um título que valha o cartório inteiro. Foi assim com a épica Libertadores 2013. Foi assim com a Copa do Brasil de 14. E até com o Brasileiro de 21, quando 50 anos se passaram num intervalo de 5 minutos – o suficiente para pagar uma parcela atrasada da dívida estratosférica. Faltam outras mil, e estará liquidada a fatura.