O futebol está repleto de frases feitas, sem as quais uma maioria de locutores e comentaristas esportivos estaria em apuros. Entre as platitudes, tem aquela que diz que determinado time perdeu para ele mesmo. Uma linguagem figurada, por óbvio, visto que, se perdeu, alguém ganhou – e se alguém ganhou, há de ter havido (eita!) um adversário capaz, pelo menos, de fazer com o que o outro entregasse a paçoca.
Na quarta-feira passada, a frase ganhou a mais nítida literalidade ao ficar claro que o goleiro Rafael Cabral, do Crüzëirö, era parte integrante do escudo do Sousa, da Paraíba. Alguns dizem tratar-se de um dinossauro. Conversa fiada. O braço curto não deixa dúvida sobre a real identidade do cidadão celebrado no brasão do bravo Sousa, meu time na Paraíba desde... bem, antes de antes de ontem.
O futebol brasileiro é uma bagunça, e há de se denunciar o conflito de interesses implicado nessa situação do guarda-metas com o escudo adversário. Antes, porém, gostaria de discorrer a respeito da insólita presença dos arqueiros do arquifreguês ao longo da história, ao mesmo tempo valorosos e risíveis, bons mas ruins, aquela elegância sempre apta a escorregar na casca de banana.
Lá no tempo dos dinossauros, aí sim, havia o Raul, cuja semelhança com a Wanderléa da Jovem Guarda pôs tudo a perder. Depois teve Fábio, o Mãos de Alface, também Pés de Quiabo. Tinha boa técnica, não há dúvida, mas faltava-lhe um item básico de segurança, o retrovisor. Agora temos Cabral, Braço Curto Mão Amiga. Cabral, um cara legal.
Sempre importante o registro histórico das coisas. Nesse nosso caso, ao contrário da ditadura, é importante lembrar justamente para que se repita. O Reinaldo do Sousa, registre-se, é o Inha, grande campeão paraibano de 94, quando pela primeira vez o time do sertão levantou o caneco. Trinta anos depois, o time de 24 é a bancada do Bala – Danilo Bala, o Hulk deles. Se jogasse aqui seria o Trem Bala.
Mudando da cajuína pro vinho do Porto, o nosso Danilo Bala acaba de renovar até 2026. Graças a São Víctor, não exatamente o novo diretor de futebol mas o interlocutor com o homem lá em cima, o sósia de Karl Marx. Graças a Deus que o Hulk fica, não havia a menor condição psicológica para o atleticano lidar com a falta desse Rivotril Litrão. Eu não sei vocês, mas começo a achar que há em curso uma dança das cadeiras no ranking do futebol mundial.
Antes tava assim: Maradona era maior do que Pelé, e menor do que Reinaldo. Agora só consigo ver o Hulk atrás do Rei, 100 gols daqui a pouco, 200 ali adiante. De forma que o paraibano tá no modo Sousa: imiscuiu-se entre os grandes, agora é o Trem Bala desgovernado. Pode renovar até 2030, que seu pilates atômico dá conta do recado, sua cápsula de vibranium, sua banheira de gelo trazida do Ártico em sua nave particular.
Para que tudo esteja a contento, no entanto, é preciso ganhar, hoje, desse safado desse América, o Sousa das Minas Gerais. Se acontecer algum desastre, não venha dizer que perdemos para nós mesmos, porque Felipão, o culpado, não é gente nossa – é um sujeito que xinga o torcedor, e portanto é um adversário.
Há mais de dez anos, este calunista foi vítima de um ataque orquestrado por torcedores do América (não desconfiava que eles ainda existissem) ao propor a anexação do Sousa-MG pelo Galo, visto que o Independência acabava de se tornar a nossa casa. O pessoal ficou ofendidíssimo, e eu achando que estava a lhes oferecer uma saída mais honrosa impossível, um prêmio – afinal dormiriam americanos, coitados, e acordariam todos atleticanos, como num passe de mágica.
A anexação não rolou por bem, o negócio então é fazer por mal. Não ao estilo nazista do Netanyahu, mas ainda assim mandando Bala – o nosso Trem Bala, o Givanildo Vieira. De Souza.