Três dias após empatar por 1 a 1 com o Criciúma, pelo Brasileiro, Atlético tem a chance de vencer o rival Cruzeiro pela primeira vez no novo estádio -  (crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Três dias após empatar por 1 a 1 com o Criciúma, pelo Brasileiro, Atlético tem a chance de vencer o rival Cruzeiro pela primeira vez no novo estádio

crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

No meu mundo ideal, a Massa invadiria esta noite a Arena MRV, cujo nome jamais teria pegado, porque em seu lugar teria se imposto o Terreirão do Galo, ou algo do gênero, sempre no aumentativo, do tamanho da nossa grandeza e do amor que a gente tem. No meu mundo ideal não haveria “naming rights”, já que o povão mal e mal fala o português.

 

No meu mundo ideal, as 45 mil pessoas que teriam lotado o Terreirão e ganhado o jogo contra o Criciúma quarta-feira passada, no gogó, comprariam ingressos para esta noite a preços razoáveis. Levariam de graça seus filhos menores de 12 anos, porque é preciso catequizar a próxima geração. E porque o picolé custaria, bem, um picolé. E o estacionamento, um estacionamento.

 

 

Levariam foguetes e bandeiras, afinal não estariam ali exatamente para assistir a um jogo, o que é muito melhor na televisão. Estariam ali pra ganhar uma guerra, utilizando as armas não violentas feitas de bambus, tecidos, fogos de artifício, rolos de papéis higiênicos transformados em serpentinas gigantes, gogó e paixão.

 

Bandeiras sairiam de um único acesso às arquibancadas, que seriam arquibancadas – e não este simulacro composto de cadeiras a atravancar o livre torcer de corpos suados e aglomerados, o pogo dessa brava gente atleticana em suas sessões de descarrego, ora quarta, ora domingo, às vezes sábado, às vezes terça. Mas sempre presente, a exemplo de Sempre, o lendário torcedor. Galo Sempre!

 

Foi ele, Sempre, que escolheu o lado onde ficaria a torcida do Atlético quando construíram o Mineirão (a propósito, para o Atlético). Ele o fez pela manhã, numa visita ao novo estádio. À tarde, na hora do jogo, o sol queimava a moleira da Massa, que foi tirar satisfação com o Sempre. O Sempre: “A torcida do Galo pode até ficar no sol, mas é fiel como a sombra”.

 

 

No meu mundo ideal, os fiéis da IURG, a Igreja Universal do Reino Galo, veriam entrar, uma a uma, as centenas de bandeiras da torcida. Uma fila delas preencheria todo o anel do Terreirão, salvando apenas o espaço do visitante – e ainda assim haveria mais e mais bandeiras a sair daquele túnel de acesso. Faixas e mais faixas, de organizadas ou não, de gente comum que decidiu gritar ao mundo sua carta de amor, como fazia um certo “Daniel Galo”, ou aquele outro que achou de escrever “Galo, você é a minha mãe”. Ou ainda a Dragões da FAO, “Filosofia máxima de um povo”.

 

No meu mundo ideal, as bandeiras, hoje, dariam a volta em todo o anel porque não haveria grades a separar o rico do menos rico, o muito rico do rico, e o quase rico do podre de rico. Um único setor abrigaria uma única e distinta classe, a dos atleticanos.

 

No meu mundo ideal todos estariam juntos e misturados na noite deste sábado, perigosamente aglomerados sem nenhuma contenção, indistintamente unidos na luta de classes contra o Cruzeiro, pobres e remediados, pretos e brancos, quase pretos e quase brancos, o Mangabeiras e o Complexo da Serra, o bolsonarista e as pessoas normais. Rico seria aquele de melhor gogó. Milito, ainda que argentino acostumado, olharia aquilo e nunca mais deixaria de torcer por nós.

 

 

Um espaço respeitável em nosso Terreirão, esta noite, estaria guardado para a torcida adversária, com suas faixas e bandeiras a meia-boca, seus cânticos constrangedores, seus tambores de olimpíada do Dom Silvério, seu desejo nítido de ser quem a gente é – ou quem a gente foi.

 

Um espaço para as testemunhas da inviabilidade de ganhar do Galo naquele caldeirão dos infernos – a panela do diabo, a Bombonera que faltava. E, por fim, o caminhar melancólico rumo ao portão de saída, a Fé que se vai, a marcha fúnebre da Beth Carvalho, o inevitável crepúsculo do visitante atropelado. Para eles, uma noite inesquecível, encarnada em seus cadáveres.

 

No meu mundo ideal, repetiríamos tudo de novo contra o Peñarol na terça-feira, não importando se, por alguma estranha eventualidade, tudo tivesse dado errado nesta noite de sábado. Daríamos um grande e rotundo fodasse, afinal, em meu mundo ideal, não estaríamos ali só pra ganhar. Ao contrário do que ensinou a Dilma, ganhando ou perdendo, a gente já teria ganhado. Bastava, ou bastaria, ter nascido atleticano – e tudo estaria posto.