Nesta fase de desbragada militância, passei a escutar Milito como se o Grande Líder falasse à nação. Depois dos jogos, aguardo por suas coletivas com a ansiedade do fiel que espera o papa naquela janela. Anoto seus ensinamentos como se eu fosse um paspalho em nível de gerência e o Milito, um coach como o Pablo Marçal. Ainda que a vitória, e até o empate, produza bêbados cada vez mais efusivos, exijo o respeitoso silêncio: “Papai vai falar”.
Sou capaz de apostar que Milito faltou às aulas de “midia trainning” da boleirada, pois jamais desperdiça seu espanhol com as platitudes de costume, “ahora a seguir trabajando en busca de los tres puntos” e cosa e tal. Para que fique tudo às claras, não se deixa levar pelos encantos do portunhol. O povo que se vire com as legendas, duela a quem duela.
(Só vi Milito na versão Rolando Lero quando um repórter fez uma pergunta no dialeto mineirês, esse cockney do sotaque brasileiro, apenas compreensível àqueles que têm por questões fundamentais o “Oncotô? Doncovim? Proncovô?”. Pobre Milito, deve estar apavorado com esse esperanto local.)
Mas voltando à vaca fria. É de conhecimento dos bravos leitores deste espaço a inaptidão do colunista para o assunto do futebol – seu único interesse real é o Clube Atlético Mineiro. De modo que esse farsante entende bulufas sobre as táticas do jogo, o avanço das linhas, o 4-4-2, o 3-5-2 e outros insondáveis mistérios.
Em 12 rodadas, no entanto, tudo mudou. Como um formando no tempo da pandemia, bastaram as aulas online ao final de cada jogo. O colunista é agora diplomado nas Faculdades Milito, com pós-gradução em Ludopédio Avançado.
Outro dia ouvi um comentarista dizer que Milito estava “dando minutagem a novos jogadores”. Se tal comentarista tivesse ouvido o Milito falar, saberia que é exatamente o contrário: ele está a diminuir a minutagem dos jogadores de sempre. Porque não há atleta que aguente a intensidade máxima de seu jogo, quando está com a bola e quando está sem ela.
O adversário que deseja compreender como joga o Atlético de Milito pode pular o jogo e ir direto para a coletiva do professor. O Galo, disse Milito, joga para ganhar. A tal ponto ele respeita esse objetivo, que não celebra o empate sob nenhuma circunstância.
A vitória, segundo Milito, depende de impor o jogo através da inteligência tática de seus comandados, da intensidade com que se busca o controle da partida, e de algo que ele chama “paixão” – e que este colunista arriscaria traduzir como o perfeito enlace entre um time raçudo e “La Massa”, como diz o comandante.
Outro dia o Milito me lembrou o Ronaldo. Sim, o vendedor de coisas no Enjooei, o cara capaz de passar adiante um lote na lua ou um Marea usado, um Fenômeno. “Torcedores, calma”, pediu Milito. “Calma, calma... Eu estou aqui há poucos meses e não gosto de elogios. Não me sinto bem com elogios. Prefiro calma, calma e tranquilidade.”
Bem, não sei agora como me desculpar, pois tudo o que faço há semanas é elogiar Milito, esse ser humano infelizmente perfeito. Até seu charme e elegância já foram aqui exaltados quando vi na pessoa do professor “nosso Javier Bardem, um Ricardo Darín melhorado, um Sampaoli com educação”. A título de reparação pelos danos causados, conclamo todos a um xingamento coletivo: GABRIEL MILICO!
Na terça, Gabriel Milico vai ao Uruguai. Se vencer o Peñarol, o Galo pode confirmar a melhor campanha da fase de grupos e decidir em casa, com “La Massa”, todos os jogos eliminatórios até a finalíssima no Monumental de Núñes, em Buenos Aires. Dexezvim, dexezvim! Agora posso compreender melhor o Patriota do Caminhão: tem um Milico deixando a gente sonhar!
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Muito orgulho do Galo por promover, hoje, treino aberto com renda revertida aos desabrigados do Rio Grande do Sul. Serve também à reflexão: quantos campos de futebol do Pantanal, da Amazônia e do Cerrado estão sendo postos abaixo pelo agro e seus 300 deputados enquanto nos emocionamos com o resgate do cavalo?