Torcida do Galo homenageia os gaúchos com fumaça nas cores da bandeira do Rio Grande do Sul durante treino aberto na Arena MRV -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

Torcida do Galo homenageia os gaúchos com fumaça nas cores da bandeira do Rio Grande do Sul durante treino aberto na Arena MRV

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

O tempo corre e as notícias vão ficando velhas. Mas, com o perdão do raro leitor, preciso voltar ao longínquo sábado passado, quando o Galo escreveu uma das páginas mais emocionantes de sua história. A forma como o clube e a torcida abraçaram o povo gaúcho, vítima de enchentes jamais vistas no Rio Grande do Sul, foi de enternecer até um coração de pedra.

 

 

Registre-se para a história: o Atlético jogaria no sábado contra o Grêmio. Por razões óbvias, o jogo contra os gaúchos foi cancelado. O Galo fez então um treino aberto para o seu torcedor na Arena MRV. Cobrou ingresso e destinou toda a renda às vítimas da chuva. Naquele sábado de manhã, o que se viu foi um show de delicadeza e solidariedade.

 

Quase 40 mil atleticanos foram ao Terreirão do Galo. Além do ingresso, levaram 10 toneladas em donativos. Às pressas, foi preparado um mosaico com as cores da bandeira do Rio Grande do Sul. No lugar do Hino Nacional, justa e costumeiramente substituído nas arquibancadas pelo hino do Galo, tocaram o hino do Rio Grande.

 

 

O Galo Doido fez tremular a bandeira do estado. Atleticanos vestiram camisas do Grêmio, lembrando a “união sinistra” entre a Geral e a Galoucura. Foi das coisas mais bonitas que o futebol já proporcionou por ocasião de uma tragédia. Foi como ver Reinaldo erguendo o punho cerrado durante os anos de chumbo.

 

Sábado passado foi um dia para lembrar quem somos. O Galo nasceu em 1908, apenas 20 anos depois da abolição da escravatura, que deixaria à própria sorte toda a população negra, sem direito à terra ou a qualquer tipo de reparação pelos séculos de trabalho forçado. Enquanto vários clubes brasileiros proibiam pretos em seus quadros de sócios e atletas, o Galo abrigou desde sempre o preto e o branco, em pé de igualdade, como as listras de sua camisa.

 

 

O Galo foi fundado por uma elite estudantil essencialmente branca. A aceitação dos negros e pobres, desde o seu primeiro dia, apontava para a utopia de um país justo, em que todos pudessem ter as mesmas oportunidades, independentemente de sua cor ou classe social. Uma utopia que teima em permanecer utopia.

 

Em 1914, o Galo jogou de preto como forma de apoio à campanha que destinava o tecido branco aos médicos da Segunda Guerra. 110 anos depois, lá estávamos nós, vestindo o Terreirão com as cores do Rio Grande do Sul, em guerra contra o desastre climático.

 

Desde que as arenas iniciaram o processo de expulsão do pobre dos estádios brasileiros, tenho lamentado a forma como o Galo parece distanciar-se de sua história, cujo protagonista maior é sem dúvida o seu torcedor mais simples, agora expulso da festa. No sábado passado, o que se viu foi um reencontro entre a Massa, o clube e sua história de luta tão lindamente simbolizada pelo punho cerrado do Rei.

 

 

Não foi apenas o “show” de solidariedade. Nos bastidores, o presidente Sérgio Coelho trabalhou pela paralisação do campeonato em face da tragédia que choca o país e afeta a isonomia da competição, com Grêmio, Inter e Juventude obviamente prejudicados.

 

O Galo foi também o primeiro a oferecer a estrutura de seu CT para receber os clubes gaúchos, caso fizessem a opção por seguir jogando (aliás, o presidente deixou claro que apoiaria aquilo que fosse decidido pelos gaúchos, numa demonstração de empatia que deveria encher de orgulho qualquer atleticano).

 

Para além da renda beneficente, o clube doou também 1 milhão de reais. Hulk, sozinho, empenhou mais 100 mil. No cômputo final, a ajuda oferecida pelo Atlético é maior do que aquela enviada pelo governo dos Estados Unidos.

 

 

“Hoje o Clube Atlético Mineiro passou a ser o segundo time de todos os gaúchos”, escreveu um morador de Porto Alegre no X-Twitter. “Jamais esqueceremos o que o gigante Galo fez hoje por nós nesse momento de imensa dor.”

 

“O Atlético é agora referência de humanidade e grandeza”, disse um gremista. “Hoje não tem gremista nem colorado, e somos todos eternamente gratos. Te temos com carinho, Clube Atlético Mineiro”.

 

“Não existem palavras para agradecer, Atlético, estamos completamente emocionados”, anotou uma torcedora do Grêmio.

 

Uma outra decidiu que dali pra frente também seria Galo: “Clube Atlético Mineiro, uma vez até morrer”.

 

Não precisa dizer da emoção deste colunista. Viva o Clube Atlético Mineiro! Viva o povo gaúcho!