O atacante Hulk é o principal nome do Atlético desde a temporada de 2021 -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

O atacante Hulk é o principal nome do Atlético desde a temporada de 2021

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

 

Na última terça-feira, eu me vi torcendo pelo gol do Hulk como se a sua seca fosse a minha seca também. Estranhamente, já não me importava o jogo, mas aquele gol impossível. Do outro lado, o goleiro reserva tinha se transformado no Neuer. E a trave ganhara dois metros de espessura. 


Há muitos jogos que o Hulk vinha mal. Primeiramente, creditei aos médios e baixos da vida. Mas a coisa começou a mergulhar nos subterrâneos quando o craque passou a maltratar a bola, como se ali estivesse uma pedra sextavada. Coisa feia mesmo de se ver.

 


“Caracas!”, pensei comigo enquanto enfrentávamos o caralho na terça passada. O desajuste inicial, posteriormente transmutado naquela pedra no sapato, digo, na chuteira, havia agora transformado o craque no exterminador de todas as jogadas, no túmulo onde jazia nossa esperança de gol.

 


Enquanto se desenrolava a goleada, fui tomado pela melancolia e pelo medo. Estaria a assistir ao ocaso do super-herói? Lembrei-me daquele filme em que o senhor Incrível e sua “conja”, a Mulher Elástica, tinham de esconder seus superpoderes por determinação do governo. Barrigudo e desanimado, Incrível pelejava com sua vida ordinária no subúrbio da cidade.

 


Pude ver o incrível Hulk sentado sozinho numa mesa de plástico, fumando um Marlboro e bebendo uma Itaipava. Nunca mais fizera um gol. Primeiro foi o azar. Depois o Neuer. Então o pânico, a falta de confiança e estima. Sequer tinha coragem de subir em seu próprio avião. Era como se Bruce Banner, ao ficar verde, de desfizesse numa geleca.

 


Quanto mais gol a gente fazia, mais aumentava minha angústia. Até o Pedrinho! E nada do Hulk, a bola a queimar suas canelas, os músculos da barriga de tanquinho a apresentar insuspeitas adiposidades. Será? O locutor a chamar a ruindade pelo nome, Givanildo. Era como se o Batman tivesse virado um pombo, esse rato com asas. Eu já estava a torcer contra, porque o quarto gol já seria por demais constrangedor. Abri uma Itaipava, acendi um cigarrão. Sozinho, assistia ao crepúsculo de toda uma era.

 


Havia o agravante do azar. O azar persegue o atleticano. Em sua história houve o Wright e o Aragão – mas o latrocínio dos anos 1980 não teria a carga dramática que tem se não tivesse se somado ao crime todos os azares do mundo. A bola que entrou contra o Coritiba em 1985, e o juiz não viu. A chuva em São Caetano. A contusão do Marques na final de 1999.

 

 


O atleticano é o azarado em estado de arte. Motivo pelo qual nunca me convenceram as estatísticas sobre o avião. Pelo contrário. Ao saber que apenas 0,0001% dos voos terminam em acidente, fiquei convencido do enorme risco que corria, visto que morrer disso se configurava um azar danado. Sempre que era obrigado a voar, reparava um a um, de forma a me certificar de que não havia outro atleticano além de mim disposto a tamanho risco. Se houvesse algum, eu ia de ônibus.

 


A bola do Hulk não entrava. E quando começou a carimbar as traves, vi o corvo pousado no travessão: “Nunca mais”. Revisitei a vida. Os amores perdidos. O lance fortuito, aquele gol do Corinthians, a companheira a celebrar, o casamento desfeito. O assalto à mão armada. O câncer, raro, agressivo, fatal. Quando a bola entrou, o juiz não viu.

 


Então, quando já tomado por esse estado macambúzio, no momento exato em que o homem sozinho janta um iogurte perdido na geladeira, entre uma e outra Itaipava morna, eis que o Incrível decide apresentar os seus poderes. Hay gobierno, soy contra!

 


E o Hulk então corta pra dentro e bate no canto. E toda a escuridão se faz luz. E todo azar será pago em duplicatas infinitas no balcão da vida. É o filho que nasce, a vida que renasce, o câncer que se esvai, o dinheiro que entra, o amor que volta, o corvo que avoa para nunca mais.


O Hulk voltou. Seremos campeões.