Desde a goleada contra o Palmeiras, deu uma saudade danada de Alexandre Kalil. Não apenas porque seriam divertidas e necessárias as cobras e lagartos que o ex-comandante teria a dizer sobre o Sérgio Moro que apitou a lamentável peleja. Mas, sobretudo, porque é da sua cepa a verdade escancarada: “O Atlético me faz mal”.
Se ganha, disse certa vez o Kalil, a vida segue em frente na sua tediosa normalidade, composta, no meu caso, por boletos e automóveis, supermercados e colunas do Galo, um adolescente e um recém-nascido, cachorros e mais boletos. Não há exatamente um bônus conferido pelo triunfo, mas apenas as brancas nuvens do dia qualquer, o bege do trespassar das horas.
Se perde, bem... Se perde, descemos ao terceiro subsolo da existência, à penumbra da alma, ao ocaso de tudo. Boletos me atingem como as flechas de São Sebastião. Automóveis desgraçados, supermercados malditos. Por que adotei mais um cachorro? Por que o Francisco ouve trap? Por que o Davi faz tanto cocô?
Eu havia me desacostumado com a goleada. E também com o juiz ladrão. O combo despertou meus instintos mais primitivos. Atravessei a semana como um cão raivoso, para sempre divorciado da União Sinistra. Também, eu estava em São Paulo, vendo palmeirense até em arbusto na calçada, tudo verde, tudo fdp. Estêvão Pinto mole. Caim é que fez certo com o Abel.
Aí veio a segunda goleada. Pro lanterna. Sem Moro nem Wright. Pro Vitória. E eu a caminho da Bahia, isso já parece uma perseguição – como no filme Encurralado, do Spielberg, eu sou o carro e o Galo é o caminhão. Pensei em morrer de Atlético, o automóvel atirado na ribanceira em aparente desastre. Mas se for pra ser, vou querer levar junto aquele cruzeirense que comemorava no Barradão com a camiseta da Máfia Azul. Então esperei.
Deixei baixar a poeira, o tempo é o senhor da razão. Infelizmente o fechamento do jornal não aguardou a chegada desse senhor, e cá estou com o coração embebido no ódio, como se tivesse baixado em mim um encosto bolsominion. E embora um encosto desse seja mais afeito às fake news, verdades precisam ser ditas.
A primeira e mais importante é que o maior desfalque do Atlético neste momento é a sua torcida. A Arena matou o nosso maior e mais temido jogador desde sempre, aquele que virava jogos impossíveis, aquele que nos manteve vivos quando respirávamos por aparelhos. O nosso Messi.
Não posso mais me referir àquilo lá como Terreirão do Galo, em respeito aos terreiros das religiões afro e aos quintais do interior, onde o galo era rei. A bem da verdade, a Arena, com esse nome de partido da ditadura, é uma grande varanda gourmet onde a Massa agoniza em jogos de tênis. A nossa tumba. Eu voltaria pro Mineirão.
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Depois, cadê os 4Rs, 1R que seja? Cadê o banco minimamente decente, cadê a base (também levou de quatro), cadê o futebol feminino capaz de passar um pouco menos de vergonha e honrar a camisa que veste? Cadê os quatro Hulk, a potência mundial, a dívida quitada? Vão acabar com a torcida mais doida do mundo e ninguém vai falar nada?
Enquanto a gente tomava oito na corcova, o presidente recebia título de cidadão honorário na Câmara de Itaguara (???). E o outro lá apresentava a casinha histórica preservada durante a construção de mais um espigão de sua empreiteira, “acrescentando um toque de charme histórico ao novo empreendimento”. Enfiou a casinha no projeto mas eu teria outra sugestão.
Milito, ainda tá sendo permitido fechar a casinha, beleza? Proibido é só aborto de pobre e maconha de preto, o resto aqui pode tudo. E o único Alan Kardec que deu certo é aquele do espiritismo.
Deus que nos proteja essa semana, a começar pelo embate de amanhã, entre Djokovic e o Fortaleza. A gente achou que ia ter um caldeirão e ganhou uma varanda gourmet. Achou que tinha achado o Guardiola. Achou que a culpa era do Kalil. E de tanto achar, a gente se perdeu. De goleada.