Não é só futebol, como diz o outro. Entre as tantas coisas que o ludopédio nos oferece além da bola na casinha, está a metáfora da vida. Uma goleada nunca é tão somente uma goleada, mas uma voadora no peito, um soco na cara, o dedo médio pra chefia que te esfola o couro, o boleto vencido, o ônibus lotado. Ao passo que, apenas a título de exemplo, o revés injusto configura-se o mergulho no subsolo da existência, o encontro com o demônio, a vida como ela é – ingrata.

 

No domingo passado, contra o Grêmio, o Galo fez um primeiro tempo tenebroso. Jogando com um a mais, conseguiu tomar dois gols, e só não levou um sacode ainda maior por mero acaso. Merecia, muito embora as nossas duplicatas com o homem lá em cima, o sósia do Karl Marx, nos confira um século inteiro de merecimento a ser sacado na boca do caixa – caixa, caixa, caixa!

 

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Pois bem, a tal metáfora da vida. Tava nóis ali, fodido, mal pago é sempre, 2 a 0 na corcova logo às 11h da manhã, acabados de despertar e aqueles sonhos intranquilos, credo, já me encontrava metamorfoseado na barata. Que entrada mais indigesta pro almoço de família com titio do zap, que coentro era aquele, bah, a gente ajuda o povo do Rio Grande do Sul e recebe de volta a ingratidão e o desprezo. 1 a 0, a sua mina foi embora, 2 a 0, seu menino foi com ela, ó vida, ó céus, ó azar.

 



 

E então a gente vai pro intervalo se sentindo o cocô do cavalo do Pablo Marçal. Nossa, azar no jogo, azar no amor, sorte no azar.

 

Mas a vida, meu amigo, é um duplo twist carpado. O roteirista chegou da balada doidão e resolveu trabalhar. É o presidiário que vira presidente, a influencer-ostentação que vira presidiária. É nóis levantando, sacudindo a poeira e dando a volta por cima.

 

 

Mas não é qualquer poeira nem qualquer volta, veja bem, a paulada na corcova caminhava pro seu final melancólico quando então o roteirista despirocado, no prenúncio da ressaca, achou por bem dar um fim repentino em sua trama, e foda-se a verossimilhança, o negócio era oferecer um pouco de emoção e tirar o time de campo.

 

Na hora do 2 a 2, o penal do empate que já tinha sabor de vitória, mirei o Palacios e acertei no Xande de Pilares: “Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé, manda essa tristeza embora”. Na virada fatal, o 2 a 3 sinistro, aí já foi caso pra infarte, a vida em seu sacode mais improvável, Moro delinquente, Lula presidente, Bolsonaro preso amanhã. A sua mina era Grêmio, seu menino vai ser Galo. PQP, PESSOAL, EU VOU MORRER DE ATLÉTICO MINEIRO, CHAMA O SAMU!

 

 

Uma virada dessa, se eu acreditasse em sinais, era pra mudar de vida, virar a página, dar o cano no cartão de crédito e fugir pra uma beirada de praia, viver de catar fruta no pé e vender marica de durepóxi! “Basta acreditar que um novo dia vai raiar, sua hora vai chegar!” – é o Xande de Pilares e a gente no pilates, vida nova, aquela massagem cardíaca na esperança, a última que nunca morre.

 

E a gente lembra daqueles 3 a 2 no Bahia em Salvador, 50 anos em 5 minutos, nóis campeão brasileiro, o trem mais doido do mundo. O 4 a 3 sobre o Lanús, na final da Recopa de 2014, com o Francisco e a Fabizinha na Galoucura, Mineirão que saudade. O 4 a 1 sobre o Corinthians na Copa do Brasil daquele ano, o 4 a 1 sobre o Flamengaço Classificadaço, a virada de todas as viradas, master blaster plus.

 

O problema do Galo é a frequência desses acontecimentos transcendentais. É tanta metáfora da vida, que vai virando livro do Paulo Coelho, coletânea de aforismos do Lair Ribeiro. O roteirista realmente não tá nem aí para a verossimilhança, parece novela mexicana. Na outra rodada mesmo teve aquela vitória sobre o São Paulo no Morumbi e na bacia das almas, o 'Eu Acredito' em versão pocket show, meu Deus, eu tava lá, morri, mas passo bem.

 

 

Como um Galo escaldado nas águas milagrosas do Atlético Mineiro, não se pode dar ao adversário a chance de usurpar o copyright do nosso roteirista loucaço. De modo que todo cuidado é pouco com esse São Paulo, em cujo pescoço tem um galo inteiro atravessado. Na quinta-feira, o melhor é ganhar na maciota, como naquele capítulo da novela em que nada acontece, a não ser o preenchimento da linguiça – como a vida no curso calmo de seu rio.

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